Tuesday, September 16, 2008

(As presentes declarações são da responsabilidade dos seus autores)

Amizades Seleccionadas part I
Rapaz t-shirt echo beach, mangas caviadas, arrasta um casaco de ganga com correntes fala das suas experiências:
•Perto das 23h conduzo a bicicleta até à praça e fico à espera que passes por lá. Entretanto leio um livro com a luz laranja dos focos. Combinei contigo às 23.30, mas cheguei mais cedo porque sei que, por esta hora, aparecem os tipos dos cães. Às custas de pedir emprestado um isqueiro acabamos por falar sobre cães, gatos e criminalidade. Quando tu chegas eles desaparecem. Parece que se esqueceram de qualquer coisa em casa. Vão-se embora nervosos e com os cães atrás. Tiro da mochila uma cerveja que te ofereço e baixa completamente toda a excitação anterior. Começamos por um assunto qualquer e acabamos por discutir, mas não sinto nada. Não estou nem acelerado nem aborrecido. Estou contigo. Ficamos horas limitados às regras que estabelecemos – há assuntos interditos e muitas das nossas conversas são subentendidas. Por isso talvez possa não parecer uma amizade. Mas tu compreendes-me e eu não vou ter com mais ninguém quando preciso de um conselho ou de um abraço que nunca chegamos a dar.
•Da última vez fiquei tão mal disposta por ter estado contigo que mal tive oportunidade desatei aos berros a chamar-te imbecil. "Lembras-me sempre que tu é que decides, porque podes decidir, e decides por mim, o que vou ser". Somos completamente incompatíveis porque eu é que sou, porque quero ser, responsável por aquilo que me vai acontecer. E a dúvida que tu crias cresce e eu já não sei se estou capacitado a controlar o que quer que seja. Daí, depois do ataque de nervos ter passado, os dois dias a seguir vagueio pela cidade como se nada me dissesse respeito. Fico a tentar recuperar e a pôr as ideias no sítio. Com a regularidade que nos vemos, mês a mês, ontem dei-me conta que talvez sejas meu amigo. Secretamente admiro-te e é por isso que isto se repete. Depois, tens aquele péssimo hábito de me oferecer alguma coisa. É uma generosidade de quem se desculpa ou de quem quer comprar a atenção do outro. Penso que esta é uma amizade para durar.
•Se eu tivesse um irmão mais novo seria exactamente como tu. E como teu irmão vou proteger-te.

Rapariga 28 anos, de vestido preto, colar de pérolas falso e bolsa de napa preta, fala das suas experiências:
•Cresci a dosear as emoções e a tentar aprender com os erros. No entanto, quando posso decidir não dosear e perder o equilíbrio eu sigo, vou a onde me levarem. Não me lembro ao certo de como foi a vez anterior, mas aos catorze, perdi todas as resistências e pensei, de novo, que uma amizade não tem limites. Correu mal, naturalmente e poupo os detalhes. Aos quinze encontrei uma oportunidade para voltar a experimentar uma forte amizade, desta vez com mais precaução. Resultou porque criei um reservatório de energias à parte que iam para outras direcções. Pensei, as amizades estão resolvidas, não volto a pensar no assunto, estas já não me assustam.
•Crescemos juntas e isso não basta para sermos amigas. Um dia disseste-me que não era possível mudares mas ainda era muito cedo para dizeres isso, podias tê-lo feito. Mas eu não mudo ninguém, porque não posso retirar o que há de próprio e de irrepetível em cada um. Pensei, então, que um dia ia gostar de ti como és e que nos íamos aceitar mutuamente – mas isso nunca aconteceu. Passaram-se alguns anos e desconfiamos agora uma da outra e se dialogamos é como se fossemos duas estranhas. Em certos momentos arrependo-me de ser eu mesma ao teu lado, sinto uma fraqueza, de ser sincera, porque é uma perda de tempo.
•Crescemos juntas e eu admiro-te. A ti não te prendo com emoções excessivas, não posso porque tu és igual a mim neste aspecto. Às vezes saímos juntas e eu penso que toda a gente te admira e eu fico encantada.

Outra rapariga, de botas vermelhas, fala das suas experiências:
•Penso que vejo a realidade sempre distorcida, porque tento vê-la como tu a vês. És um dos fantasmas do passado que não vai embora. E há anos que funciono com um reizinho a mandar fantasmagórico. Ontem, numa viagem de carro contaram-me dos bebedores modernos de sangue – quase vomitei na bomba de gasolina. Os fantasmas bebem sangue pensei eu?
•Dizes que gostas de mim até aos poros. Isso é bonito. Não nos vemos muitas vezes e por isso não exercitamos a amizade. De qualquer maneira, penso que não gosto de amizades fáceis, por isso esta vai sendo adormecida.
•Estávamos as duas num concerto. Tu chamavas a atenção de toda a gente e por isso meti conversa. Disse-te que parecias ser muito criativa e eras. Um horror de tanta criatividade. Não há uma palavra que não rime com outra. Acontece o mesmo com as cores e com tudo que se possa ligar entre si. Cansas-me muito e por isso estamos juntas até duas horas menos de uma vez por mês. Parecemos duas desconhecidas em momentos sociais, mas quando pudemos estar sós não perdemos tempo e somos totalmente honestas e generosas em tudo o que partilhamos. Falamos de amor como se não existisse outro assunto. Falamos de amizade como se fosse o modelo de todas as relações. Eu nunca penso em ti.

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