Sunday, June 04, 2006

WANDA! WANDINHA!

1.
Há quinze anos atrás, no mesmo dia, vi “A insustentável leveza do ser” em VHS, fumei dois cigarros de mentol e comprei o jornal Sexus.
Estava na companhia da minha melhor amiga que tinha recentemente mudado de casa para o nosso lado. Metade do dia foi passado no sotão e a outra a ver o filme na sala. O que me lembro melhor é do jornal e com bastante clareza da secção de fotografias amadoras de donas de casa que generosamente se davam a conhecer em variadas poses sedutoras expondo-se integralmente à câmara fotográfica. Os textos, crónicas, fotonovelas ou pequenas legendas revelavam um mundo muito “glamoroso” de fantasias.

Lembramo-nos de enviar algumas fotos nossas em poses parecidas. Pensamos nisso com a maior naturalidade e fizemos projectos para o dia seguinte: maquilhagem carregada, saltos altos e um trapinho à volta da cinta. Estávamos dispostas a construir e a encenar fantasias. Tínhamos ainda corpos infantis e estruturas diferentes, ela era muito estreita e eu forte e quando nos apercebemos disso desistimos sem trocarmos palavras. O nosso aspecto fisico não foi certamente o mais determinante na nossa decisão. Talvez não fossem indicadas nem a ideia nem a altura.

Eu voltei para casa desanimada e não se falou mais no assunto. O dia ficou na memória como um “dia mau” porque das nossas actividades ficou a pairar uma má consciência, e até culpa, embora, na realidade, aquele dia tenha sido da maior importância para o crescimento das duas. Eu chamo-lhe desde então “o dia das três transgressões”.

2.
Recentemente, perguntei às minhas amigas se tinham alguma fantasia sexual. Não criei expectativas em relação à resposta. Para mim esta era também a primeira vez que eu pensava seriamente sobre o assunto. Seria capaz de citar uma série de referências visuais e literárias, mas não de contar as minhas fantasias. Em reuniões de café, quando voltava a este tema, deparava-me com uma grande falta de imaginação (incluo-me neste grupo, citávamos clichés das cenas românticas de um filme ou ocorria-nos à memória situações anteriores vividas de tensão sexual), apercebi-me também que algumas das mulheres que interroguei nunca tinham pensado em fantasias e sentiam dificuldades em caracterizá-las e outras não viam qualquer sentido ou necessidade em verbalizar um desejo.

3.
Comecei a pensar no assunto com alguma insistência e lancei o desafio a algumas amigas para escreverem as suas fantasias. Lembrei-me de utilizar um blog como receptor a partir do momento em que muitas mulheres (muitas outras para além das amigas) se dispuseram a participar desde que encobertas pelo anonimato ou por um nome falso. Ora, pareceu-me ser esta a forma mais eficaz para conseguir a construção de uma rede (desde sempre característica deste meio) que possibilitava a participação anónima ou a adequação a uma nova identidade, a visualização relativamente rápida das várias fantasias e a constituição de um conjunto muito forte e diversificado das mesmas.

4.
Em dois meses escreveram-se e foram publicadas no blog cerca de oitenta fantasias. No meio disto, não me proponho analisá-las de modo a que fiquem arrumadas em gavetas, mas mostrá-las e principalmente permitir, através da abertura de um espaço como o blog, que um imaginário feminino seja construído.

5.
Não sei ao certo o que é específico de uma fantasia feminina, mas reconheço que existe uma sensibilidade muito própria e que está muito presente neste conjunto.
Quanto à possível intrusão de elementos masculinos neste projecto, deixou de ser um problema na medida em que não é possível averiguar quem está do outro lado, e não me parece certo recusar a participação de quem se possa assumir como mulher. Julgo que estes casos excepcionais não desviaram o sentido do projecto. Antes pelo contrário, levantaram outras questões que tornaram o projecto mais interessante.

6.
O que está aqui exposto é o momento intermédio de todo o projecto, é a passagem da recolha do material ao objecto final, uma publicação. Daqui resultará a publicação física e uma versão em pdf. A primeira circulará por vários sítios e a segunda permanecerá alojado no blog. A razão de chegar ao objecto-livro prende-se com a necessidade de devolver às mulheres este imaginário convidando-as a manter o exercício de fantasiar.

Na exposição o aspecto da peça central é a “ encenação” de espaço onde se realizou um suposto workshop. Servi-me disso para marcar a ideia do projecto estar ainda em aberto a novos acrescentos e para afirmar a contribuição das várias pessoas que se envolveram muito seriamente nesta aventura. A segunda peça, encostada à parede, é o resultado da combinação de vidro, espelho e prata, materiais reflectores e de transparência que reflectem todos os movimentos da sala como um caleidoscópio.

7.
Agradeço a todas as participantes, que para além das fantasias também me enviaram sites de referência e imagens.

8.
http://kiki-koko.blogspot.com/

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