Cá volta a discussão... Confesso que tenho pena que tenham decidido publicar meia página de fotografia comigo em vez da entrevista a que só se tem acesso na net (suponho que na condição de se ser assinante do Público). Apesar das generalidades a que a imprensa sempre obriga, parece-me no entanto positiva esta atenção aos projectos artísticos independentes. Agora claro que nem Serralves é gigante nem os artistas são liliputeanos. Envio-te de qualquer modo a entrevista na totalidade. Boa BCN! Se tiveres tempo, vai à Casa Leopoldo e lê livros do Montalbán!
João Fernandes
Entrevista a João Fernandes “Portugal não tem um circuito para a arte jovem” Por Kathleen Gomes O director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves fala sobre a comunidade de jovens artistas do Porto. E explica por que Serralves não pode fazer mais por eles. ÍPSILON – Conhece, está atento ao chamado circuito artístico alternativo do Porto? JOÃO FERNANDES – Não posso dizer que conheça na totalidade, até porque a intensidade, irregularidade e efemeridade das iniciativas não me permitem acompanhar tudo quanto acontece. Por outro lado, tenho uma agenda muito preenchida em função da própria actividade do museu: temos uma programação muito intensiva e isso obriga-nos a viajar quase todas as semanas. Mas achamos que é importante o museu estar consciente daquilo que acontece na comunidade na qual se integra. O museu acaba por ter formas de reunir informação sobre aquilo que acontece. Um museu é uma equipa, não é só um director: por exemplo, um assistente meu, Ricardo Nicolau, é precisamente um curador que tem uma atenção muito especial à jovem criação artística no Porto e em Portugal. Quais são a especificidades desta comunidade de artistas portuenses? Um grande activismo e uma grande intensidade no voluntarismo com que esse activismo é conduzido: o facto de os artistas não se resignarem às formas existentes de apresentação do seu trabalho e encontrarem espaços e procedimentos próprios é sem dúvida de realçar. O facto de não esperarem por apoios, por subsídios, pelas instituições, pelas galerias, pelo mercado, para começarem a apresentar trabalho é algo que é extremamente positivo e que acontece em todo o mundo, ao longo da última década. Acontece? Acontece. E em Portugal foi acontecendo também. Portugal nunca foi um país com condições ideais para quem começa apresentar o seu trabalho. Porque as instituições são normalmente espaços já de legitimação ou de consagração de trabalho feito, e não espaços de emergência. E na verdade são muito poucas: não há um circuito para a arte fora de Lisboa e do Porto, na prática. Existe hoje, felizmente, a promessa de novos espaços, há uma outra atenção que as autarquias começam a ter. Mas aquilo que acontece noutros países, como por exemplo na Alemanha, com as “kunsthalle” [literalmente, salas de arte; estruturas regionais que resultam da associação de coleccionadores e artistas locais], ou em Espanha, onde mais de 200 centros de arte abriram nos últimos anos, não acontece em Portugal. As instituições são limitadas na sua capacidade de oferta de trabalho, até porque uma instituição também é selectiva – sendo legitimantes, são selectivas, uma coisa implica a outra. Isso originou um grande voluntarismo por parte dos artistas – quer em Lisboa quer no Porto. Em Lisboa houve espaços que se foram mantendo, como a Zé dos Bois com formas de apoio muito específicas, festivais, como o Número, etc. No Porto desencadeou-se um sistema muito peculiar que se calhar tem algumas raízes na história de arte desta cidade ao longo do século XX. Que é uma auto-organização dos próprios artistas em relação a espaços de programação muitas vezes efémeros, sem qualquer tipo de apoios institucionais. É de realçar que, ao contrário do que aconteceu em Lisboa, as iniciativas dos jovens artistas do Porto não têm nenhum apoio institucional – nem governamental, nem das instituições existentes. E muitas vezes são os próprios artistas que, para preservar a sua independência, querem que seja deliberadamente assim. Isso é algo de distintivo em relação a outros projectos que acontecem em Lisboa, suponho. E lá fora? As duas coisas existem. Há sempre uns circuitos “off”, por mais instituições que existam. Agora, o Porto é uma cidade que até ao aparecimento do Museu de Serralves – e Serralves é o primeiro museu de arte contemporânea a ser criado no país, em 1999, no final do século XX – não teve instituições de iniciativa municipal ou nacional vocacionadas para a apresentação da obra de arte ao longo de todo o século XX. Isso vai originar a que os artistas no Porto tenham sempre encontrado formas de autoorganização. Isso acontece nos anos 40 com as Exposições Independentes, em que quase pela primeira vez se apresenta arte abstracta em Portugal, quando aparecem artistas como Fernando Lanhas – isso decorre da iniciativa dos próprios artistas. Nos anos 60, é interessante ver o que acontece com o nascimento da cooperativa Árvore ou com o aparecimento de grupos de artistas como Os Quatro Vintes [Ângelo de Sousa, Armando Alves, Jorge Pinheiro e José Rodrigues]. O que une Os Quatro Vintes não é propriamente um programa estético ou conceptual, mas a necessidade de mostrar o seu trabalho. A cooperativa Árvore é um espaço criado por artistas e por cidadãos que apoiam esse projecto cultural. Porque o Porto não tinha nenhum espaço para apresentação regular da obra de arte. E a Árvore tem uma função muito importante no Porto ao longo de várias décadas, quase como única instituição. O Porto tem uma tradição de cidadania muito curiosa na sua vida cultural. A vida cultural do Porto esteve durante muitas décadas entregue aos cidadãos desta cidade porque nunca houve nenhuma iniciativa institucional por parte de nenhum poder municipal ou nacional que a desenvolvesse. Aconteceu isso com o Cineclube do Porto, o Círculo de Cultura Teatral/ Teatro Experimental do Porto, a cooperativa Árvore, etc. De algum modo, acho que essa iniciativa cívica continua a manifestar-se através destes múltiplos projectos de jovens artistas, que não pretendem filiar-se numa história, se calhar até a ignoram. Vivem o seu tempo e agem em função do seu tempo. Querem mostrar o seu trabalho, é sobretudo isso que faz com que eles apareçam e intervenham. E são extremamente activos, na verdade. O que é que o Porto tem que faz com que isso aconteça? Acho que é a falta de condições. Em Lisboa há mais galerias, mais espaços, mais instituições. No Porto há apenas a Culturgest e Serralves. Mas um projecto como o Museu de Serralves afirma-se pela sua selectividade e essa selectividade é muitas vezes incompatível com um espaço de experimentação para um artista que está a começar a desenvolver as suas linguagens. Nessa medida, o facto de Serralves existir, suponho que é importante para todos, mas Serralves não responde às necessidades de apresentação de trabalho de muitos destes artistas. Seria desejável que o Porto tivesse um espaço de programação para artistas mais jovens. Nos Estados Unidos as galerias das universidades, por exemplo, têm programações muitas vezes mais experimentais do que as instituições museológicas. Portugal não tem um circuito para a arte mais jovem – não só a portuguesa mas internacional. Em Lisboa também não existem propriamente esses espaços. Mas existem mais. Não estou a falar com grande informação sociológica ou científica, mas acho que em Lisboa é mais acelerada a integração do jovem artista dentro da comunidade artística porque há mais instituições e galerias de arte. Essa parece-me ser uma diferença. O que faz com que o Porto se sinta nesta área, como em muitas outras, numa situação periférica. É curioso olhar para a vida cultural do Porto nestes últimos anos: aconteceram importantíssimos projectos culturais ao nível nacional e internacional, como Serralves, a Casa da Música, ou o Teatro Nacional de S. João. Mas estes projectos não respondem a toda uma energia da jovem criação artística que se encontra na cidade. Nem está nos seus objectivos responderem. Este circuito [alternativo] é uma consequência da falta de resposta a isso. Diria que ele lhe interessa mais como fenómeno sociológico ou artístico? Acho curioso do ponto de vista sociológico. Mas o que me interessa é encontrar obras de arte naquilo que aí aparece. Aquilo que eu espero de um artista é que ele me apresente uma obra que me crie um problema novo. Qualquer artista deve demarcar-se dos contextos aos quais o pretendam confinar, a obra é que importa. Nessa medida o que me preocupa numa situação como a do Porto, em que tantos artistas estão a surgir nestes espaços é que muitas vezes estes espaços geram fenómenos de condescendência. Acho que ainda há pouca discussão crítica dos trabalhos que são apresentados. Aliás, em Portugal discute-se pouco e o contexto artístico discute pouco a arte que é feita em Portugal e fora de Portugal. Acho que é importante que esses grupos nunca se enclausurem neles mesmos. Se um agente artístico fora do porto chega aqui e lhe pede um “mapa das artes” do Porto... Isso acontece frequentes vezes. O museu obviamente tem muitas pessoas que vêm de fora do país trabalhar connosco ou visitar as exposições que fazemos, e nos perguntam o que é que podem ver. Inclui estes espaços alternativos? Incluo. Falo sempre da existência destes espaços. Quatro artistas do Porto mais ou menos ligados a esta cena estão presentes no Prémio EDP Novos Artistas deste ano. É sinal de um reconhecimento? É um reconhecimento do trabalho que esses artistas têm feito ou apresentaram. Se é um reconhecimento da cena artística do Porto? Acho que é uma coincidência. Não faço a injustiça aos meus colegas que tenham estado nesse júri [João Pinharanda, Delfim Sardo e Nuno Crespo] de terem escolhido um artista por reconhecimento de um contexto. Acho que não se escolhem obras de arte por outras razões que não sejam a natureza do trabalho que as fazem. Acho sinceramente que não interessa uma cena artística do porto, isso não me diz nada, não sei o que é, confesso. Entusiasmei-me no princípio dos anos 90 com a cena artística londrina [risos], que degenerou nos chamados yBa [sigla de “young British artists”]. Na altura ainda não havia essa denominação, o mercado ainda não os apresentava, era uma situação próxima de algo que eu tinha indirectamente conhecido através da música, com o que tinha acontecido por exemplo no punk. Que depois se transformou completamente com a entrada de muitos desses artistas no mercado, nas instituições, etc. Mas posso dizer-lhe que hoje não encontro uma cena artística londrina como encontrei nessa altura e no entanto Londres é uma cidade cheia de coisas a acontecer sempre, não é? Há um meio artístico em Lisboa e um meio artístico no Porto? São realidades diferentes? Acho que são realidades diferentes por vezes pelo desconhecimento recíproco que têm uma da outra. O que me custa às vezes reconhecer. Deveria ser natural que pessoas do Porto se interessassem pelo que acontece em Lisboa e vice-versa. Isto num contexto artístico português que, apesar de tudo, é pequenino. Não estamos propriamente numa situação como Nova Iorque e Los Angeles, não estamos a seis horas de avião [risos]. Acho que não há motivo para haver uma distinção. Tirando o facto de em Lisboa existir uma maior atenção mediática: os órgãos de comunicação social estão centrados em Lisboa. Uma instituição como a nossa consegue apesar de tudo lidar com isso, mas é um facto. Mas há fenómenos engraçados. Não sei se estou a ser inteiramente justo, mas tenho ideia de que na nossa programação anual mobilizamos mais pessoas que vêm especificamente ver exposições a Portugal do que acontece com as instituições em Lisboa até ao momento. O que não diminui uma certa condição periférica de uma comunidade artística na cidade do Porto. Diria que Serralves estimula o aparecimento de novos artistas? Não tenho a pretensão de o dizer. Gostaria que tal acontecesse. Mas isso depende da recepção que as nossas exposições tenham nessa comunidade de artistas. Espero que a programação que Serralves tem vindo a desenvolver crie formas de conhecimento e discussão de questões relacionadas com a arte do nosso tempo e com a criação artística que possam ter alguma repercussão. Se encontro consequências directas disso na cena artística do Porto? Não posso dizer. Por vezes até é com perplexidade que reconheço que há uma grande desatenção de muitos agentes artísticos portugueses em relação ao que fazemos aqui. Raras vezes uma galeria do Porto trabalha com um artista que nós apresentemos, o que é estranho. Sente que os artistas frequentam este espaço? Sim. Lembro-me que quando cheguei a Serralves, em finais dos anos 90, havia uma grande distância da faculdade de belas artes em relação a Serralves. E hoje há múltiplas colaborações, projectos em comum, essa realidade está superada. Sentia que havia uma expectativa em relação a Serralves como se fosse o museu que iria representar a cidade, o Porto. Serralves não é um museu da cidade. Serralves não apresenta um artista por ele ser da cidade ou do país. Temos obviamente determinados parâmetros em atenção: procuramos construir uma programação com um terço de artistas portugueses e doi s terços de artistas estrangeiros. É uma proporção para nós adequada para integrar a arte portuguesa no contexto de uma instituição que não é local, que não é apenas a continuação de um gueto em que os artistas mostram o trabalho só para aqueles que já estão mais próximos. Isso é assumido. Isso é assumido por vocês mas nem sempre é bem entendido? Admito que haja pessoas que tenham um entendimento diferente. A polémica que o levou a intervir num blogue não tinha a ver com isso? A discussão naquele blogue acontece na sequência de uma publicação que nós editamos com o jornal PÚBLICO, editada pelo Miguel von Hafe Pérez, dedicada a um conjunto de jovens artistas aparecidos nestes últimos anos em Portugal. Na apresentação desse livro aqui em Serralves a discussão começou entre mim e alguns dos artistas, quando uma delas, Isabel Carvalho, diz que Serralves é uma instituição que ignora deliberadamente os artistas locais. Eu reagi assumindo o facto de não me interessar um artista por ser local, de esse não ser um critério de selecção ou confronto ou avaliação de uma obra – o que não significa que não tenha curiosidade, não tenha obrigação de conhecer, etc. Agora, não me sinto obrigado a apresentar um artista só pelo facto de ele viver ou trabalhar na cidade onde eu trabalho e vivo. Coisa com que a Isabel Carvalho está de acordo, seguramente. Depois a discussão continua no seu blogue e é uma grande surpresa o facto de eu decidir participar [risos]. Isso origina imensos mal-entendidos e imensas bocas próprias dos blogues, umas mais simpáticas, outras menos. Mas confesso que não me arrependo. Houve quem ficasse muito surpreendido e pusesse em questão o facto de o director de um museu participar num blogue. Mas, parafraseando uma velha frase, acho que nada do que acontece num contexto artístico me deve ser estranho. Portanto se há um blogue que trata destas coisas, porque não participar? Produzi um documento muito crítico. Porque reconheço uma certa complacência e uma autocondescendência e uma grande falta de sentido crítico no trabalho que se faz nestes contextos “off”. O facto de existirem e persistirem já é tão difícil que isso em si já é objecto de generosidade e de grande admiração por toda a gente. Acho que tem de haver também uma atenção crítica, discutir os trabalhos. Há várias questões que eu colocava aí em relação ao que poderiam ser os perigos de estandardização de uma criação artística jovem dentro destes contextos não-legitimados nem legitimantes. Quais as suas expectativas em relação a estes jovens artistas? Estou à espera que construam obras que me surpreendam, que me interessem. Acho que se pode trabalhar mais no sentido de uma exigência do que se apresenta. Ficaria muito satisfeito por toda esta energia corresponder a obras individuais muito singulares. http://www.publico.pt/docs/cultura/entrevistajf.pdf http://www.publico.pt/docs/cultura/entrevistajf.pdf
Agradeco o comentario e a sugestao. Neste momento estou condicionada aos cyber cafes e por isso so terei oportunidade de ler a entrevista na totalidade no final da proxima semana. Para alem disso nao estou com disposicao para voltar ao “Porto” tao cedo…a seu tempo! Ate breve.
Aqui fica o resto do artigo para Para os que estão em BCN, Brasil, Bristol e Budapeste; Paris, Kassel , Munster e Portimão...
Porto Off Kathleen Gomes
A sala de Susana Chiocca já teve de tudo: "hamsters" à solta, "cocktails" com desconhecidos, um francês a urinar, frases em crioulo rabiscadas na parede. Chiocca (diz-se "quioca"; é italiano, "grazie") não fez nada enquanto podia, quando tinha um sótão em Lisboa e pensava: "E se fizesse qualquer coisa aqui?" Agora não pode, mas faz: uma vez por mês, abre a porta de casa, no Porto, e oferece a sua sala de estar a outros "performers". Sim, há pessoas que trabalham em casa, há pessoas que vivem no local de trabalho, mas isto - a que deu o prosaico nome de A Sala - é outra coisa: um espaço doméstico aberto à rua, uma zona cinzenta entre o privado e o público. Esta noite há línguas-de-gato e café, há sofás e "pufs" (mas também um "skate", um amplificador e duas guitarras a um canto), mas não é sempre assim e, sendo assim, é bastante despojado. "Às vezes penso que não seria mau ter uma sala como as outras pessoas. Ou ter uns móveis com rodinhas", diz Chiocca, 32 anos (quase-quase 33) num corpo franzino como se a certa altura tivesse parado de crescer. "E às vezes podem aparecer pessoas com quem não me apetece estar e tenho de abrir a porta de minha casa..." Sacode rapidamente esses desabafos: "Se não for assim, onde é que a gente vai experimentar? Queremos fazer, e não é só por não termos dinheiro que não vamos fazer. Estamos habituados a trabalhar." A Sala nasceu em Fevereiro do ano passado, fruto da cumplicidade (e da partilha de casa) entre Susana Chiocca, artista plástica, e António Lago, actor e "performer" que permaneceu ligado ao projecto até Maio último. Mas quando Chiocca fala no plural, é muito mais vasto do que isso: é uma rede de relações e afinidades que atravessa a jovem comunidade artística do Porto e que deu uma nova vitalidade, ainda que meio marginal, a uma cidade adormecida, através de uma programação intensiva em espaços inesperados, informais (a sala de estar de Chiocca, mas também centros comerciais decadentes, uma casa-de-banho, o sótão lá de casa, uma salão de bilhares ou prédios devolutos). Ou seja, o Porto tem um circuito "off" das artes - da mesma forma que tem a Rua do Almada ou a Travessa de Cedofeita, onde o comércio tradicional (mas mesmo tradicional: ferragens, lavores, mercearias, candeeiros envoltos em celofane na montra, mobiliário em segunda mão) dá de caras com lojas alternativas (vinis, "sex-shops", comida vegetariana, roupa de marca, "vintage" e outros retroparaísos). Sendo "off", é fácil não dar por ele, apesar da sua teimosia, apesar de não ter nascido ontem. O circuito "off" - uns preferem dizer alternativo, outros independente - não vem nos jornais, não aparece nas televisões. Circula em "mails", multiplica-se em blogues, mas sobretudo funciona boca a boca. É voluntarista, activo, intenso, com uma energia própria da idade. Já existe há demasiados anos para poder ser reduzido a um capricho. Já captou as atenções de galeristas, comissários de exposições e directores de museu, a curiosidade de artistas consagrados, propostas de artistas de Lisboa. Por causa dele, o crítico de artes plásticas Óscar Faria escrevia há um ano no PÚBLICO que o contexto artístico do Porto é "o mais estimulante do país".
Eles não podiam esperar "De facto, todas as semanas há coisas a acontecer" (em Agosto não vale: em Agosto a cidade fecha para férias; ainda assim, se estiver alguma coisa a acontecer, a culpa deve ser deles, dos "alternativos"). "Dá a sensação de que o Porto está muito activo", diz José Roseira, 28 anos, produtor e programador artístico, documentarista ("faço filmes "low-budget", independentes, que depois costumo pôr na gaveta"), observador atento do circuito "indie" em particular e da vida cultural portuense em geral. Segundo ele, a nova geração de artistas do Porto "soube aproveitar bem uma certa dinâmica que existiu na cidade: desde 1998 que a cidade começou a viver na expectativa do Porto 2001 [Capital Europeia da Cultura]". Houve um Porto antes de 2001: "Aí, sim, é que podemos dizer que era um deserto em termos culturais", resume Pedro Nora, 30 anos, designer gráfico "freelance", co-fundador dos colectivos aLíngua (1999-2005, actividade principal: fanzines) e Ateliers Mentol (que promovia "happenings" na Baixa do Porto, em espaços comerciais). Houve um Porto 2001: "Passei um ano a consumir como um louco", lembra José Roseira. E houve um Porto depois de 2001: "Rui Rio destruiu o Porto 2001, as relações e dinâmicas que o Porto 2001 tinha construído, ao fim de seis meses de mandato. Culturalmente, estava tudo no zero", diz Eduardo Matos, um dos fundadores do Salão Olímpico, projecto entretanto terminado que ganhou certa aura mítica (já vamos descer à cave suja e fantasmática). "Para quem quer fazer e pensar arte todos os dias... Tornava-se urgente fazer as nossas coisas. Não podíamos estar à espera." É uma geração que já tinha feito pela vida na Faculdade de Belas-Artes do Porto (FBAUP), dinamizando uma "escola fechada à contemporaneidade", "académica", que "não contemplava muitas das mudanças ocorridas nas artes plásticas nos anos 70", explicam Eduardo Matos e Manuel Santos Maia. "No segundo ano do curso, ou saía da faculdade ou fazia qualquer outra coisa", diz Manuel Santos Maia, 36 anos, artista plástico. Fez outra coisa: foi o principal impulsionador do projecto inter+disciplinar+idades, que promoveu conferências com artistas e agentes artísticos, mostras de vídeo, concertos, exposições. "Se a escola organizasse dois eventos por ano era muito, enquanto nós organizávamos 30", diz Eduardo Matos. "Estávamos a substituir a escola." Natural, portanto, que, num "contexto de ressaca" pós-2001, tenham adoptado a mesma atitude quando saíram da faculdade. André Sousa, 27 anos, lembra-se de chegar à faculdade e ler num jornal uma entrevista ao então presidente do conselho directivo da FBAUP, em que ele proclamava que "a maior parte dos alunos nunca há-de expor um quadro" (André tem actualmente uma exposição individual, "Império", bem no coração de Lisboa, no espaço Fidelidade Mundial Chiado 8). "Isto alerta-te, logo no início: "Comigo não vai ser assim."" "É uma geração que saiu da escola com vontade de fazer coisas. E que começou a organizar-se", descreve José Roseira. "Acho que no início foi uma coisa espontânea. E correu bem, por isso ainda existe. Criaram-se relações, surgiu uma rede." A cena artística "off" portuense (estamos a tentar que soe o menos pomposo possível) despontou quase como um prolongamento das cumplicidades e grupos que se tinham estabelecido na FBAUP. Fundada em 1999, a associação Caldeira 213, tida como pioneira nesta história, congregava muitos ex-filiados da associação de estudantes da FBAUP e de juventudes partidárias, nota Luís Eustáquio, 32 anos, designer, que já foi participante activo numa cena que agora observa à distância. A Caldeira 213 surgiu quando um grupo de artistas feministas denominado ZOiNA (Ana Medeira, Carla Cruz, Catarina Carneiro de Sousa e Isabel Carvalho) saiu "à rua para procurar um sítio", diz Isabel Carvalho, 30 anos, rosto élfico. "Queríamos exteriorizar aquilo que íamos produzindo." Encontraram o sítio, uma antiga fábrica de bilhares numa zona pouco católica (de prostituição, droga, delinquência), a Rua dos Caldeireiros, mas era sítio a mais só para elas - sete pisos -, por isso desafiaram mais gente. Ao contrário dos espaços alternativos que lhe sucederam, diz Isabel Carvalho, a Caldeira tinha um programa de intenções, era um espaço de "partilha ideológica, de agenda". As exposições eram quase todas colectivas, temáticas, abordando "questões fundamentais da contemporaneidade". A primeira mostra, em Janeiro de 2000, era uma colectiva sobre a questão da autoria: nenhum dos trabalhos apresentados estava identificado. "O espaço era desconfortável, os trabalhos eram precários, mas o que interessava era o que se discutia", afirma Isabel Carvalho. Para ela, "a grande descoberta" foi o espírito colectivo. "O facto de haver cinco pessoas a pensar na resolução do mesmo problema é aliciante. A partir daí não prescindo de trabalhar em grupo." "O nosso próprio trabalho começa a fazer parte, também, dos outros e não só de nós", adianta Luís Eustáquio. "Era-nos impossível dizer: "Isto é meu.""
Dinheiro? Que dinheiro? A Caldeira 213 acabou em 2002 (embora continue a existir legalmente enquanto associação), mas o dinamismo da cena artística "off" do Porto também se vê por aqui: por cada espaço que fecha ou grupo que se dissolve, há outros que começam. O Salão Olímpico alcançou uma visibilidade que nenhum outro projecto conseguiu, desde logo porque Serralves co-editou um livro em finais de 2006 que documenta toda a sua existência (e o circuito artístico alternativo do Porto, por atacado), entre 2003 e 2006. O Olímpico é um vetusto café na Miguel Bombarda - sim, essa: a rua das galerias - com um salão de bilhares às moscas em baixo. Um café com a televisão ligada logo de manhã, como todos os cafés, mas onde uma rapariga sozinha a pedir uma água, por favor, é encarada como um "alien". Há uma porta ao fundo que dá para os bilhares (10 mesas e muitos fantasmas) e para um pátio exterior cheio de entulho. O Salão Olímpico foi aqui, ainda lá estão os pregos nas paredes para contar a sua história. "Tínhamos uma ou duas regras de base: criar uma estrutura que fosse auto-sustentada por nós, não depender de subsídios. Em segundo lugar, queríamos ter muitas exposições individuais: era altura de as pessoas terem a oportunidade de dar corpo a um discurso. Mais de 50 por cento das exposições foram individuais", resume Eduardo Matos. A falta de dinheiro pode ser uma limitação mas nunca os fez cruzar os braços (embora crie por vezes situações destas: um artista faltar à festa de encerramento da sua própria exposição por não ter dinheiro para a viagem Lisboa-Porto). Apetece dizer: antes pelo contrário. Eles, os jovens artistas deste Porto "off", até podem ter pensado nisso, mas a verdade é que nunca chegaram a pedir apoios financeiros. "Por opção, nunca quisemos concorrer a subsídios. Sempre tivemos um medo enorme de tornar isto numa estrutura", diz Eduardo Matos (e note-se que entre os fundadores do Olímpico até havia um economista, Rui Ribeiro). "A produção era por conta dos artistas que passavam por aqui." (Noutro dia, noutro lugar, perguntámos aos rapazes do colectivo Senhorio, formado há três anos por estudantes de escultura da FBAUP, se alguma vez ponderaram pedir apoios: "Não somos fãs de formulários. Não queremos ter essa responsabilidade de prestar contas do trabalho." O bolso cheio ou a independência, portanto.)
Circuito fechado O Olímpico não era uma protogaleria, era um sítio para estar. "Isto é um café, é um espaço de relacionamento humano. Ganha aos pontos às salas brancas das galerias. As pessoas vinham para estar quatro, cinco horas", diz Eduardo Matos. "Os próprios projectos apelavam a esse estar. Houve uma artista que fez uma sopa...", completa Manuel Santos Maia. "Acaba por ser mais estimulante expor aqui por causa do "feedback" e das relações que se estabeleciam nos dias de inauguração", prossegue Eduardo Matos. "Nem nós somos curadores nem isto é um espaço comercial, por isso as relações com os outros estabeleciam-se a outro nível, mais directo e frontal." André Sousa transformou o sótão de sua casa num "project room". É uma loucura, não admira que o tenha baptizado de Mad Woman in the Attic (inspirado no título de um quadro de Paula Rego). Desde Fevereiro de 2005, o seu sótão de seis metros por dois e tecto inclinado já acolheu 14 individuais ("intervenções" é capaz de ser mais preciso). Para visitá-lo é preciso telefonar ao André, marcar antecipadamente conforme as conveniências. "No dia da inauguração tem muita gente. Depois, se tiver cinco ou seis visitas já não é nada mau. Mas isso corresponde à escala do que acontece nas galerias: são os amigos que vão às inaugurações." André diz que "o Mad Woman é sobre relações". (Noutro dia, noutro lugar, os rapazes do Senhorio confessam que isto é "uma desculpa para manter as amizades", para estarem juntos.) Os artistas que passam pelo sótão de André Sousa são seus amigos, pessoas em quem "acredita". "Tenho vontade de convidar até artistas que não conheço pessoalmente, e mais velhos. Mas é difícil convencer um artista que não me conhece e que está habituado a outros pequenos luxos. E a minha geração é aquela que neste momento está disposta a aceitar estas condições." Outro dos projectos de André Sousa é o PêSSEGOpráSEMANA, um prédio decadente na zona da Lapa portuense que partilha com Miguel Carneiro e Mafalda Santos, com uma programação regular de exposições micro-eventos - e cerveja no frigorífico. A casa é do avô de Miguel Carneiro, a renda é simbólica. Começou por ser o espaço onde tinham os ateliers, ainda nos tempos da faculdade, depois, progressivamente, a zona de exposições foi conquistando cada vez mais terreno. A última exposição, com desenhos de André Lemos, foi a primeira em cinco anos em que as obras estavam à venda. A falta de oportunidades para mostrar trabalho nas galerias ou instituições esteve na origem destes espaços geridos pelos artistas. Mas muitos desses artistas estão hoje representados em galerias - estão hoje, digamos, no mercado. Por que é que continuam a ter um pé (e a cabeça) nos espaços alternativos? "Estamos em galerias mas muito conscientes da forma como estamos. Continuo a fazer o meu trabalho tal como o fazia antes", garante Carla Cruz, 30 anos, que depois da ZOiNA (desfeita em 2004) continua a manter os seus projectos feministas. "A maior parte de nós nunca faria uma obra por encomenda. Têm de levar o meu trabalho tal como ele é." Sem concessões, é o que ela está a dizer. "O mercado existe, ninguém tem medo dele", diz Isabel Carvalho (mas que há processos esquizofrénicos há, "entre os que se tentam moldar, sem perdas, e os que deixaram de se interessar, mantendo um espírito muito crítico, anti-sistema"). Só que "o ritmo de uma galeria não se adapta às nossas exigências". André Sousa faz as contas: "Uma galeria, quantas exposições é que te dá? Uma por ano?! Nem isso." "O próprio espaço da galeria é muito limitado", diz Isabel Carvalho. "Uma performance frente à Câmara Municipal, o que é que isso interessa à minha galeria? As nossas necessidades ultrapassam aquilo que uma galeria permite."
Só no Porto? São 11 da noite no último sábado de Julho e haverá coisas melhores para fazer do que isto: está uma trintena de pessoas a olhar para o alto, expectantes. Subitamente, um rapaz de boné emerge no quarto andar e improvisa um estendal de roupa na varanda com dois cabos de vassoura, fita adesiva e corda. Não é MacGyver de trazer por casa, é um artista. Chovem papelinhos com frases franco-atiradoras (quando não estafadas, género "Os Estados Unidos reconhecem apenas um argumento: a norma do lucro"), um dueto feminino lê o manifesto futurista de Almada Negreiros ("Livrem-se da choldra provinciana e da safardanagem intelectual!"), e alguém, que se calhar só podia ser de fora, diz: "Só no Porto..." O coração do Porto num sábado à noite não tem muitos transeuntes, apenas uns pares perdidos a regressar de um qualquer restaurante, e o que está a acontecer - e alguns não-acontecimentos - em meia-dúzia de varandas não parece despertar curiosidade suficiente para os fazer deter. O circuito "off" tem ido para a rua, tem-se instalado em sítios que não lembrariam a ninguém (como o Centro Comercial da Cedofeita, um daqueles "shoppings" em declínio com rendas ao desbarato e lojas fechadas, onde Isabel Ribeiro e Carla Filipe alugaram uma lojinha hexagonal que serve de "project room"), mas o seu público é sempre o mesmo: os próprios produtores. A par disso, constata Pedro Nora, "este conjunto de pessoas é muito auto-referencial, olha-se muito para dentro". É uma pergunta pouco simpática, mas é preciso fazê-la: o circuito "off" é um circuito fechado? "Às vezes trabalhamos muito para nós próprios", admite Carla Cruz. "Há um lado canibal: vejo o trabalho de alguém e vou reagir a ele, e por aí fora..." "Ser "indie" tem a ver com um dado momento num percurso", diz Paulo Mendes, 41 anos, com a veterania de quem tem experiência no assunto (ele faz parte da geração de artistas dos anos 90, a primeira a apostar na autoprodução: "Aquilo que é a nossa geração foi feita por nós"). Alguns colectivos e espaços volatilizaram-se ("Não são espaços para durar e não devem durar", diz Isabel Carvalho. "São como castelos de areia. Têm a ver com um momento"), os seus membros divergiram, seguiram caminhos separados, emigraram, casaram, tiveram filhos, "whatever". "Se uma pessoa está fora, é como uma banda: não existe produção colectiva", isto ainda é Isabel Carvalho a falar. "Neste momento, já estão mais preocupados com o seu percurso individual", sugere Paulo Mendes. Mas há sinais de que o Porto não é o que era quando eles começaram. "Neste momento, quem quiser fazer uma exposição faz", diz Carla Cruz. "Uma coisa que noto é que os finalistas de Belas-Artes fazem muito mais intervenções em espaços públicos, na rua, fora da faculdade." O mercado abriu-se à chamada criação artística emergente, recentemente surgiram mesmo galerias "especializadas" em jovens artistas, como a Plumba, a Reflexus ou a MCO. "As galerias são hoje espaços mais abrangentes, vão desde trabalhos mais arriscados ao coleccionador de serigrafias", sintetiza Luís Eustáquio. "E há mais mobilidade dentro do circuito artístico: o mesmo artista expõe numa garagem e em Serralves." Isto só podia ter acontecido no Porto? "Nós sabemos que não é aqui que as coisas estão a acontecer, que o centro não é aqui", diz Isabel Carvalho. "Muitos de nós estudámos lá fora e pontualmente vamos lá fora. Mas voltamos sempre. A ideia é resistir, é construir alguma coisa aqui. Se estivesse num sítio fervilhante provavelmente ia ser pouco activa na produção de qualquer coisa. Sim, há um lado de resistência. E de alguma esperança ao mesmo tempo."
O gigante Serralves na cidade Lilliput K.G.
A polémica estalou em finais de Abril e, à primeira vista, até pode parecer estranho o "timing", a ocasião: logo ali, no lançamento de um livro da Colecção de Arte Contemporânea Público Serralves, "Propostas da Arte Portuguesa. Posição: 2007", dedicado à recém-chegada criação artística portuguesa, que inclui vários artistas da cena independente portuense. Isabel Carvalho foi convidada a falar (havia um debate, sobre "o que significa ser artista hoje em Portugal") e, apesar de estar em Serralves, não poupou críticas ao anfitrião. Segundo João Fernandes, director daquele museu, Isabel Carvalho proclamou que "Serralves é uma instituição que ignora deliberadamente os artistas locais". "Eu reagi assumindo o facto de na verdade não me interessar um artista pelo facto de ser local", diz o director, "de esse não ser um critério de selecção ou confronto ou avaliação de uma obra. O que não significa que não tenha curiosidade, não tenha obrigação de conhecer, etc. Mas não me sinto obrigado a apresentar um artista só pelo facto de ele viver ou trabalhar na cidade onde eu trabalho e vivo. Coisa com que a Isabel Carvalho está de acordo, seguramente." A controvérsia não ficou por aí, estendeu-se à blogosfera (www.whiteponycab.blogspot.com, blogue de Isabel Carvalho), onde se encarniçou e ganhou contornos que nenhum dos intervenientes originais poderia antecipar. João Fernandes surpreendeu tudo e todos quando, a certa altura, se juntou à discussão, deixando dois comentários contundentes, críticos, em relação à nova geração de artistas do Porto (acusando-os de ressentimento, autocomplacência, de vazio estético e conceptual). "Houve quem pusesse em questão o facto de o director de um museu participar num blogue. Mas, parafraseando uma velha frase, acho que nada do que acontece num contexto artístico me deve ser estranho", justifica, hoje, João Fernandes. E viveram infelizes para sempre? A refrega, se assim se pode chamar, amansou com um piquenique entre polemistas, mas hoje Isabel Carvalho ainda fala de Serralves como de uma fortaleza, com "muralhas à sua volta", e João Fernandes insiste em apontar "uma grande falta de sentido crítico no trabalho que se faz nestes contextos "off"". Serralves é o gigante que ameaça encobrir tudo o resto, um peso demasiado pesado para os artistas da cidade? O problema é não existirem "estruturas intermédias", espaços "sem o peso da máquina de um museu mas com um orçamento razoável, que proporcionassem condições de trabalho aos artistas", diz Paulo Mendes, que já trabalhou em grande (comissariou exposições colectivas em hangares) mas habitualmente faz produção lo-tech ( W.C Container e In.Transit, respectivamente uma casa-de-banho e uma sala no edifício Artes em Partes, na Rua Miguel Bombarda). João Fernandes concorda. Isabel Carvalho também. Em Portugal, refere o director de Serralves, as instituições são "meia-dúzia" e "são espaços de legitimação ou de consagração de trabalho feito, e não espaços de emergência". Falta uma rede de centros de arte que a regionalização noutros países europeus, nomeadamente Alemanha e Espanha, estimulou. Serralves é muito mas não pode ser tudo - "um projecto como o Museu de Serralves afirma-se pela sua selectividade e essa selectividade é muitas vezes incompatível com um espaço de experimentação para um artista que está a começar". Nem pode resolver a falta de uma estratégia cultural para a cidade, de iniciativa nacional ou municipal. Não, o Porto não tem meio-termo, o Porto é de extremos: tem invejáveis projectos de afirmação internacional, como Serralves (ou a Casa da Música), e tem uma cena "underground". E como são as relações entre eles? "Existe uma admiração mútua, mas no final do dia cada um vai para seu lado, são realidades separadas", responde Isabel Carvalho.
A entrevista com João Fernandes pode ser lida, na íntegra, em http://www.publico.pt/docs/cultura/entrevistajf.pdf Eles estão aqui
A Sala Espaço de apresentação de performances Rua do Bonjardim, 235, 2º
PêSSEGOpráSEMANA Programação regular de exposições Rua Antero de Quental, 133 http://pessegoprasemana.blogspot.com
Mad Woman in the Attic Project room no sótão do artista André Sousa Rua Alves Redol, 407, 5ºD http://madwomaninthe.blogspot.com
A Mula Feira/ colectivo de fanzines de Miguel Carneiro e Marco Mendes http://osgajosdamula.blogspot.com
Senhorio Colectivo com actividades pontuais: produção de fanzines, ciclos de cinema pirata, exposições e concertos R. Duque de Loulé, 239, 2º
In.Transit Project room de Paulo Mendes Edifício Artes em Partes, Rua Miguel Bombarda, 457
5 comments:
olá Isabel.afinal temos mais uns pontos para mais umas falas.
fica bem.
Ehehehehehehehe
Olá Isabel,
Cá volta a discussão... Confesso que tenho pena que tenham decidido publicar meia página de fotografia comigo em vez da entrevista a que só se tem acesso na net (suponho que na condição de se ser assinante do Público). Apesar das generalidades a que a imprensa sempre obriga, parece-me no entanto positiva esta atenção aos projectos artísticos independentes. Agora claro que nem Serralves é gigante nem os artistas são liliputeanos. Envio-te de qualquer modo a entrevista na totalidade. Boa BCN! Se tiveres tempo, vai à Casa Leopoldo e lê livros do Montalbán!
João Fernandes
Entrevista a João Fernandes
“Portugal não tem um circuito para a arte jovem”
Por Kathleen Gomes
O director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves fala sobre a comunidade de
jovens artistas do Porto. E explica por que Serralves não pode fazer mais por eles.
ÍPSILON – Conhece, está atento ao chamado circuito artístico alternativo do
Porto?
JOÃO FERNANDES – Não posso dizer que conheça na totalidade, até porque a
intensidade, irregularidade e efemeridade das iniciativas não me permitem acompanhar
tudo quanto acontece. Por outro lado, tenho uma agenda muito preenchida em função da
própria actividade do museu: temos uma programação muito intensiva e isso obriga-nos
a viajar quase todas as semanas.
Mas achamos que é importante o museu estar consciente daquilo que acontece na
comunidade na qual se integra. O museu acaba por ter formas de reunir informação
sobre aquilo que acontece. Um museu é uma equipa, não é só um director: por exemplo,
um assistente meu, Ricardo Nicolau, é precisamente um curador que tem uma atenção
muito especial à jovem criação artística no Porto e em Portugal.
Quais são a especificidades desta comunidade de artistas portuenses?
Um grande activismo e uma grande intensidade no voluntarismo com que esse
activismo é conduzido: o facto de os artistas não se resignarem às formas existentes de
apresentação do seu trabalho e encontrarem espaços e procedimentos próprios é sem
dúvida de realçar. O facto de não esperarem por apoios, por subsídios, pelas
instituições, pelas galerias, pelo mercado, para começarem a apresentar trabalho é algo
que é extremamente positivo e que acontece em todo o mundo, ao longo da última
década.
Acontece?
Acontece. E em Portugal foi acontecendo também. Portugal nunca foi um país com
condições ideais para quem começa apresentar o seu trabalho. Porque as instituições são
normalmente espaços já de legitimação ou de consagração de trabalho feito, e não
espaços de emergência. E na verdade são muito poucas: não há um circuito para a arte
fora de Lisboa e do Porto, na prática.
Existe hoje, felizmente, a promessa de novos espaços, há uma outra atenção que as
autarquias começam a ter. Mas aquilo que acontece noutros países, como por exemplo
na Alemanha, com as “kunsthalle” [literalmente, salas de arte; estruturas regionais que
resultam da associação de coleccionadores e artistas locais], ou em Espanha, onde mais
de 200 centros de arte abriram nos últimos anos, não acontece em Portugal.
As instituições são limitadas na sua capacidade de oferta de trabalho, até porque uma
instituição também é selectiva – sendo legitimantes, são selectivas, uma coisa implica a
outra. Isso originou um grande voluntarismo por parte dos artistas – quer em Lisboa
quer no Porto. Em Lisboa houve espaços que se foram mantendo, como a Zé dos Bois
com formas de apoio muito específicas, festivais, como o Número, etc.
No Porto desencadeou-se um sistema muito peculiar que se calhar tem algumas raízes
na história de arte desta cidade ao longo do século XX. Que é uma auto-organização dos
próprios artistas em relação a espaços de programação muitas vezes efémeros, sem
qualquer tipo de apoios institucionais. É de realçar que, ao contrário do que aconteceu
em Lisboa, as iniciativas dos jovens artistas do Porto não têm nenhum apoio
institucional – nem governamental, nem das instituições existentes. E muitas vezes são
os próprios artistas que, para preservar a sua independência, querem que seja
deliberadamente assim. Isso é algo de distintivo em relação a outros projectos que
acontecem em Lisboa, suponho.
E lá fora?
As duas coisas existem. Há sempre uns circuitos “off”, por mais instituições que
existam.
Agora, o Porto é uma cidade que até ao aparecimento do Museu de Serralves – e
Serralves é o primeiro museu de arte contemporânea a ser criado no país, em 1999, no
final do século XX – não teve instituições de iniciativa municipal ou nacional
vocacionadas para a apresentação da obra de arte ao longo de todo o século XX. Isso vai
originar a que os artistas no Porto tenham sempre encontrado formas de autoorganização.
Isso acontece nos anos 40 com as Exposições Independentes, em que
quase pela primeira vez se apresenta arte abstracta em Portugal, quando aparecem
artistas como Fernando Lanhas – isso decorre da iniciativa dos próprios artistas. Nos
anos 60, é interessante ver o que acontece com o nascimento da cooperativa Árvore ou
com o aparecimento de grupos de artistas como Os Quatro Vintes [Ângelo de Sousa,
Armando Alves, Jorge Pinheiro e José Rodrigues]. O que une Os Quatro Vintes não é
propriamente um programa estético ou conceptual, mas a necessidade de mostrar o seu
trabalho. A cooperativa Árvore é um espaço criado por artistas e por cidadãos que
apoiam esse projecto cultural. Porque o Porto não tinha nenhum espaço para
apresentação regular da obra de arte. E a Árvore tem uma função muito importante no
Porto ao longo de várias décadas, quase como única instituição.
O Porto tem uma tradição de cidadania muito curiosa na sua vida cultural. A vida
cultural do Porto esteve durante muitas décadas entregue aos cidadãos desta cidade
porque nunca houve nenhuma iniciativa institucional por parte de nenhum poder
municipal ou nacional que a desenvolvesse. Aconteceu isso com o Cineclube do Porto,
o Círculo de Cultura Teatral/ Teatro Experimental do Porto, a cooperativa Árvore, etc.
De algum modo, acho que essa iniciativa cívica continua a manifestar-se através destes
múltiplos projectos de jovens artistas, que não pretendem filiar-se numa história, se
calhar até a ignoram. Vivem o seu tempo e agem em função do seu tempo. Querem
mostrar o seu trabalho, é sobretudo isso que faz com que eles apareçam e intervenham.
E são extremamente activos, na verdade.
O que é que o Porto tem que faz com que isso aconteça?
Acho que é a falta de condições.
Em Lisboa há mais galerias, mais espaços, mais instituições. No Porto há apenas a
Culturgest e Serralves. Mas um projecto como o Museu de Serralves afirma-se pela sua
selectividade e essa selectividade é muitas vezes incompatível com um espaço de
experimentação para um artista que está a começar a desenvolver as suas linguagens.
Nessa medida, o facto de Serralves existir, suponho que é importante para todos, mas
Serralves não responde às necessidades de apresentação de trabalho de muitos destes
artistas. Seria desejável que o Porto tivesse um espaço de programação para artistas
mais jovens. Nos Estados Unidos as galerias das universidades, por exemplo, têm
programações muitas vezes mais experimentais do que as instituições museológicas.
Portugal não tem um circuito para a arte mais jovem – não só a portuguesa mas
internacional.
Em Lisboa também não existem propriamente esses espaços.
Mas existem mais. Não estou a falar com grande informação sociológica ou científica,
mas acho que em Lisboa é mais acelerada a integração do jovem artista dentro da
comunidade artística porque há mais instituições e galerias de arte. Essa parece-me ser
uma diferença. O que faz com que o Porto se sinta nesta área, como em muitas outras,
numa situação periférica.
É curioso olhar para a vida cultural do Porto nestes últimos anos: aconteceram
importantíssimos projectos culturais ao nível nacional e internacional, como Serralves, a
Casa da Música, ou o Teatro Nacional de S. João. Mas estes projectos não respondem a
toda uma energia da jovem criação artística que se encontra na cidade. Nem está nos
seus objectivos responderem.
Este circuito [alternativo] é uma consequência da falta de resposta a isso.
Diria que ele lhe interessa mais como fenómeno sociológico ou artístico?
Acho curioso do ponto de vista sociológico. Mas o que me interessa é encontrar obras
de arte naquilo que aí aparece. Aquilo que eu espero de um artista é que ele me
apresente uma obra que me crie um problema novo.
Qualquer artista deve demarcar-se dos contextos aos quais o pretendam confinar, a obra
é que importa. Nessa medida o que me preocupa numa situação como a do Porto, em
que tantos artistas estão a surgir nestes espaços é que muitas vezes estes espaços geram
fenómenos de condescendência. Acho que ainda há pouca discussão crítica dos
trabalhos que são apresentados. Aliás, em Portugal discute-se pouco e o contexto
artístico discute pouco a arte que é feita em Portugal e fora de Portugal.
Acho que é importante que esses grupos nunca se enclausurem neles mesmos.
Se um agente artístico fora do porto chega aqui e lhe pede um “mapa das artes” do
Porto...
Isso acontece frequentes vezes. O museu obviamente tem muitas pessoas que vêm de
fora do país trabalhar connosco ou visitar as exposições que fazemos, e nos perguntam o
que é que podem ver.
Inclui estes espaços alternativos?
Incluo. Falo sempre da existência destes espaços.
Quatro artistas do Porto mais ou menos ligados a esta cena estão presentes no
Prémio EDP Novos Artistas deste ano. É sinal de um reconhecimento?
É um reconhecimento do trabalho que esses artistas têm feito ou apresentaram. Se é um
reconhecimento da cena artística do Porto? Acho que é uma coincidência. Não faço a
injustiça aos meus colegas que tenham estado nesse júri [João Pinharanda, Delfim Sardo
e Nuno Crespo] de terem escolhido um artista por reconhecimento de um contexto.
Acho que não se escolhem obras de arte por outras razões que não sejam a natureza do
trabalho que as fazem.
Acho sinceramente que não interessa uma cena artística do porto, isso não me diz nada,
não sei o que é, confesso. Entusiasmei-me no princípio dos anos 90 com a cena artística
londrina [risos], que degenerou nos chamados yBa [sigla de “young British artists”]. Na
altura ainda não havia essa denominação, o mercado ainda não os apresentava, era uma
situação próxima de algo que eu tinha indirectamente conhecido através da música, com
o que tinha acontecido por exemplo no punk. Que depois se transformou completamente
com a entrada de muitos desses artistas no mercado, nas instituições, etc. Mas posso
dizer-lhe que hoje não encontro uma cena artística londrina como encontrei nessa altura
e no entanto Londres é uma cidade cheia de coisas a acontecer sempre, não é?
Há um meio artístico em Lisboa e um meio artístico no Porto? São realidades
diferentes?
Acho que são realidades diferentes por vezes pelo desconhecimento recíproco que têm
uma da outra. O que me custa às vezes reconhecer. Deveria ser natural que pessoas do
Porto se interessassem pelo que acontece em Lisboa e vice-versa. Isto num contexto
artístico português que, apesar de tudo, é pequenino. Não estamos propriamente numa
situação como Nova Iorque e Los Angeles, não estamos a seis horas de avião [risos].
Acho que não há motivo para haver uma distinção. Tirando o facto de em Lisboa existir
uma maior atenção mediática: os órgãos de comunicação social estão centrados em
Lisboa. Uma instituição como a nossa consegue apesar de tudo lidar com isso, mas é um
facto.
Mas há fenómenos engraçados. Não sei se estou a ser inteiramente justo, mas tenho
ideia de que na nossa programação anual mobilizamos mais pessoas que vêm
especificamente ver exposições a Portugal do que acontece com as instituições em
Lisboa até ao momento.
O que não diminui uma certa condição periférica de uma comunidade artística na cidade
do Porto.
Diria que Serralves estimula o aparecimento de novos artistas?
Não tenho a pretensão de o dizer. Gostaria que tal acontecesse. Mas isso depende da
recepção que as nossas exposições tenham nessa comunidade de artistas. Espero que a
programação que Serralves tem vindo a desenvolver crie formas de conhecimento e
discussão de questões relacionadas com a arte do nosso tempo e com a criação artística
que possam ter alguma repercussão. Se encontro consequências directas disso na cena
artística do Porto? Não posso dizer. Por vezes até é com perplexidade que reconheço
que há uma grande desatenção de muitos agentes artísticos portugueses em relação ao
que fazemos aqui. Raras vezes uma galeria do Porto trabalha com um artista que nós
apresentemos, o que é estranho.
Sente que os artistas frequentam este espaço?
Sim. Lembro-me que quando cheguei a Serralves, em finais dos anos 90, havia uma
grande distância da faculdade de belas artes em relação a Serralves. E hoje há múltiplas
colaborações, projectos em comum, essa realidade está superada. Sentia que havia uma
expectativa em relação a Serralves como se fosse o museu que iria representar a cidade,
o Porto. Serralves não é um museu da cidade. Serralves não apresenta um artista por ele
ser da cidade ou do país. Temos obviamente determinados parâmetros em atenção:
procuramos construir uma programação com um terço de artistas portugueses e doi s
terços de artistas estrangeiros. É uma proporção para nós adequada para integrar a arte
portuguesa no contexto de uma instituição que não é local, que não é apenas a
continuação de um gueto em que os artistas mostram o trabalho só para aqueles que já
estão mais próximos. Isso é assumido.
Isso é assumido por vocês mas nem sempre é bem entendido?
Admito que haja pessoas que tenham um entendimento diferente.
A polémica que o levou a intervir num blogue não tinha a ver com isso?
A discussão naquele blogue acontece na sequência de uma publicação que nós editamos
com o jornal PÚBLICO, editada pelo Miguel von Hafe Pérez, dedicada a um conjunto
de jovens artistas aparecidos nestes últimos anos em Portugal. Na apresentação desse
livro aqui em Serralves a discussão começou entre mim e alguns dos artistas, quando
uma delas, Isabel Carvalho, diz que Serralves é uma instituição que ignora
deliberadamente os artistas locais.
Eu reagi assumindo o facto de não me interessar um artista por ser local, de esse não ser
um critério de selecção ou confronto ou avaliação de uma obra – o que não significa que
não tenha curiosidade, não tenha obrigação de conhecer, etc. Agora, não me sinto
obrigado a apresentar um artista só pelo facto de ele viver ou trabalhar na cidade onde
eu trabalho e vivo. Coisa com que a Isabel Carvalho está de acordo, seguramente.
Depois a discussão continua no seu blogue e é uma grande surpresa o facto de eu decidir
participar [risos]. Isso origina imensos mal-entendidos e imensas bocas próprias dos
blogues, umas mais simpáticas, outras menos. Mas confesso que não me arrependo.
Houve quem ficasse muito surpreendido e pusesse em questão o facto de o director de
um museu participar num blogue. Mas, parafraseando uma velha frase, acho que nada
do que acontece num contexto artístico me deve ser estranho. Portanto se há um blogue
que trata destas coisas, porque não participar?
Produzi um documento muito crítico. Porque reconheço uma certa complacência e uma
autocondescendência e uma grande falta de sentido crítico no trabalho que se faz nestes
contextos “off”. O facto de existirem e persistirem já é tão difícil que isso em si já é
objecto de generosidade e de grande admiração por toda a gente. Acho que tem de haver
também uma atenção crítica, discutir os trabalhos. Há várias questões que eu colocava
aí em relação ao que poderiam ser os perigos de estandardização de uma criação
artística jovem dentro destes contextos não-legitimados nem legitimantes.
Quais as suas expectativas em relação a estes jovens artistas?
Estou à espera que construam obras que me surpreendam, que me interessem. Acho que
se pode trabalhar mais no sentido de uma exigência do que se apresenta. Ficaria muito
satisfeito por toda esta energia corresponder a obras individuais muito singulares.
http://www.publico.pt/docs/cultura/entrevistajf.pdf
http://www.publico.pt/docs/cultura/entrevistajf.pdf
Agradeco o comentario e a sugestao. Neste momento estou condicionada aos cyber cafes e por isso so terei oportunidade de ler a entrevista na totalidade no final da proxima semana. Para alem disso nao estou com disposicao para voltar ao “Porto” tao cedo…a seu tempo!
Ate breve.
Aqui fica o resto do artigo para Para os que estão em BCN, Brasil, Bristol e Budapeste; Paris, Kassel , Munster e Portimão...
Porto Off
Kathleen Gomes
A sala de Susana Chiocca já teve de tudo: "hamsters" à solta, "cocktails" com desconhecidos, um francês a urinar, frases em crioulo rabiscadas na parede. Chiocca (diz-se "quioca"; é italiano, "grazie") não fez nada enquanto podia, quando tinha um sótão em Lisboa e pensava: "E se fizesse qualquer coisa aqui?" Agora não pode, mas faz: uma vez por mês, abre a porta de casa, no Porto, e oferece a sua sala de estar a outros "performers".
Sim, há pessoas que trabalham em casa, há pessoas que vivem no local de trabalho, mas isto - a que deu o prosaico nome de A Sala - é outra coisa: um espaço doméstico aberto à rua, uma zona cinzenta entre o privado e o público. Esta noite há línguas-de-gato e café, há sofás e "pufs" (mas também um "skate", um amplificador e duas guitarras a um canto), mas não é sempre assim e, sendo assim, é bastante despojado.
"Às vezes penso que não seria mau ter uma sala como as outras pessoas. Ou ter uns móveis com rodinhas", diz Chiocca, 32 anos (quase-quase 33) num corpo franzino como se a certa altura tivesse parado de crescer. "E às vezes podem aparecer pessoas com quem não me apetece estar e tenho de abrir a porta de minha casa..."
Sacode rapidamente esses desabafos: "Se não for assim, onde é que a gente vai experimentar? Queremos fazer, e não é só por não termos dinheiro que não vamos fazer. Estamos habituados a trabalhar."
A Sala nasceu em Fevereiro do ano passado, fruto da cumplicidade (e da partilha de casa) entre Susana Chiocca, artista plástica, e António Lago, actor e "performer" que permaneceu ligado ao projecto até Maio último. Mas quando Chiocca fala no plural, é muito mais vasto do que isso: é uma rede de relações e afinidades que atravessa a jovem comunidade artística do Porto e que deu uma nova vitalidade, ainda que meio marginal, a uma cidade adormecida, através de uma programação intensiva em espaços inesperados, informais (a sala de estar de Chiocca, mas também centros comerciais decadentes, uma casa-de-banho, o sótão lá de casa, uma salão de bilhares ou prédios devolutos).
Ou seja, o Porto tem um circuito "off" das artes - da mesma forma que tem a Rua do Almada ou a Travessa de Cedofeita, onde o comércio tradicional (mas mesmo tradicional: ferragens, lavores, mercearias, candeeiros envoltos em celofane na montra, mobiliário em segunda mão) dá de caras com lojas alternativas (vinis, "sex-shops", comida vegetariana, roupa de marca, "vintage" e outros retroparaísos).
Sendo "off", é fácil não dar por ele, apesar da sua teimosia, apesar de não ter nascido ontem. O circuito "off" - uns preferem dizer alternativo, outros independente - não vem nos jornais, não aparece nas televisões. Circula em "mails", multiplica-se em blogues, mas sobretudo funciona boca a boca. É voluntarista, activo, intenso, com uma energia própria da idade. Já existe há demasiados anos para poder ser reduzido a um capricho. Já captou as atenções de galeristas, comissários de exposições e directores de museu, a curiosidade de artistas consagrados, propostas de artistas de Lisboa. Por causa dele, o crítico de artes plásticas Óscar Faria escrevia há um ano no PÚBLICO que o contexto artístico do Porto é "o mais estimulante do país".
Eles não podiam esperar
"De facto, todas as semanas há coisas a acontecer" (em Agosto não vale: em Agosto a cidade fecha para férias; ainda assim, se estiver alguma coisa a acontecer, a culpa deve ser deles, dos "alternativos"). "Dá a sensação de que o Porto está muito activo", diz José Roseira, 28 anos, produtor e programador artístico, documentarista ("faço filmes "low-budget", independentes, que depois costumo pôr na gaveta"), observador atento do circuito "indie" em particular e da vida cultural portuense em geral.
Segundo ele, a nova geração de artistas do Porto "soube aproveitar bem uma certa dinâmica que existiu na cidade: desde 1998 que a cidade começou a viver na expectativa do Porto 2001 [Capital Europeia da Cultura]".
Houve um Porto antes de 2001: "Aí, sim, é que podemos dizer que era um deserto em termos culturais", resume Pedro Nora, 30 anos, designer gráfico "freelance", co-fundador dos colectivos aLíngua (1999-2005, actividade principal: fanzines) e Ateliers Mentol (que promovia "happenings" na Baixa do Porto, em espaços comerciais).
Houve um Porto 2001: "Passei um ano a consumir como um louco", lembra José Roseira.
E houve um Porto depois de 2001: "Rui Rio destruiu o Porto 2001, as relações e dinâmicas que o Porto 2001 tinha construído, ao fim de seis meses de mandato. Culturalmente, estava tudo no zero", diz Eduardo Matos, um dos fundadores do Salão Olímpico, projecto entretanto terminado que ganhou certa aura mítica (já vamos descer à cave suja e fantasmática). "Para quem quer fazer e pensar arte todos os dias... Tornava-se urgente fazer as nossas coisas. Não podíamos estar à espera."
É uma geração que já tinha feito pela vida na Faculdade de Belas-Artes do Porto (FBAUP), dinamizando uma "escola fechada à contemporaneidade", "académica", que "não contemplava muitas das mudanças ocorridas nas artes plásticas nos anos 70", explicam Eduardo Matos e Manuel Santos Maia. "No segundo ano do curso, ou saía da faculdade ou fazia qualquer outra coisa", diz Manuel Santos Maia, 36 anos, artista plástico. Fez outra coisa: foi o principal impulsionador do projecto inter+disciplinar+idades, que promoveu conferências com artistas e agentes artísticos, mostras de vídeo, concertos, exposições. "Se a escola organizasse dois eventos por ano era muito, enquanto nós organizávamos 30", diz Eduardo Matos. "Estávamos a substituir a escola."
Natural, portanto, que, num "contexto de ressaca" pós-2001, tenham adoptado a mesma atitude quando saíram da faculdade.
André Sousa, 27 anos, lembra-se de chegar à faculdade e ler num jornal uma entrevista ao então presidente do conselho directivo da FBAUP, em que ele proclamava que "a maior parte dos alunos nunca há-de expor um quadro" (André tem actualmente uma exposição individual, "Império", bem no coração de Lisboa, no espaço Fidelidade Mundial Chiado 8). "Isto alerta-te, logo no início: "Comigo não vai ser assim.""
"É uma geração que saiu da escola com vontade de fazer coisas. E que começou a organizar-se", descreve José Roseira. "Acho que no início foi uma coisa espontânea. E correu bem, por isso ainda existe. Criaram-se relações, surgiu uma rede."
A cena artística "off" portuense (estamos a tentar que soe o menos pomposo possível) despontou quase como um prolongamento das cumplicidades e grupos que se tinham estabelecido na FBAUP. Fundada em 1999, a associação Caldeira 213, tida como pioneira nesta história, congregava muitos ex-filiados da associação de estudantes da FBAUP e de juventudes partidárias, nota Luís Eustáquio, 32 anos, designer, que já foi participante activo numa cena que agora observa à distância.
A Caldeira 213 surgiu quando um grupo de artistas feministas denominado ZOiNA (Ana Medeira, Carla Cruz, Catarina Carneiro de Sousa e Isabel Carvalho) saiu "à rua para procurar um sítio", diz Isabel Carvalho, 30 anos, rosto élfico. "Queríamos exteriorizar aquilo que íamos produzindo." Encontraram o sítio, uma antiga fábrica de bilhares numa zona pouco católica (de prostituição, droga, delinquência), a Rua dos Caldeireiros, mas era sítio a mais só para elas - sete pisos -, por isso desafiaram mais gente. Ao contrário dos espaços alternativos que lhe sucederam, diz Isabel Carvalho, a Caldeira tinha um programa de intenções, era um espaço de "partilha ideológica, de agenda". As exposições eram quase todas colectivas, temáticas, abordando "questões fundamentais da contemporaneidade". A primeira mostra, em Janeiro de 2000, era uma colectiva sobre a questão da autoria: nenhum dos trabalhos apresentados estava identificado.
"O espaço era desconfortável, os trabalhos eram precários, mas o que interessava era o que se discutia", afirma Isabel Carvalho. Para ela, "a grande descoberta" foi o espírito colectivo. "O facto de haver cinco pessoas a pensar na resolução do mesmo problema é aliciante. A partir daí não prescindo de trabalhar em grupo."
"O nosso próprio trabalho começa a fazer parte, também, dos outros e não só de nós", adianta Luís Eustáquio. "Era-nos impossível dizer: "Isto é meu.""
Dinheiro? Que dinheiro?
A Caldeira 213 acabou em 2002 (embora continue a existir legalmente enquanto associação), mas o dinamismo da cena artística "off" do Porto também se vê por aqui: por cada espaço que fecha ou grupo que se dissolve, há outros que começam. O Salão Olímpico alcançou uma visibilidade que nenhum outro projecto conseguiu, desde logo porque Serralves co-editou um livro em finais de 2006 que documenta toda a sua existência (e o circuito artístico alternativo do Porto, por atacado), entre 2003 e 2006.
O Olímpico é um vetusto café na Miguel Bombarda - sim, essa: a rua das galerias - com um salão de bilhares às moscas em baixo. Um café com a televisão ligada logo de manhã, como todos os cafés, mas onde uma rapariga sozinha a pedir uma água, por favor, é encarada como um "alien". Há uma porta ao fundo que dá para os bilhares (10 mesas e muitos fantasmas) e para um pátio exterior cheio de entulho. O Salão Olímpico foi aqui, ainda lá estão os pregos nas paredes para contar a sua história.
"Tínhamos uma ou duas regras de base: criar uma estrutura que fosse auto-sustentada por nós, não depender de subsídios. Em segundo lugar, queríamos ter muitas exposições individuais: era altura de as pessoas terem a oportunidade de dar corpo a um discurso. Mais de 50 por cento das exposições foram individuais", resume Eduardo Matos.
A falta de dinheiro pode ser uma limitação mas nunca os fez cruzar os braços (embora crie por vezes situações destas: um artista faltar à festa de encerramento da sua própria exposição por não ter dinheiro para a viagem Lisboa-Porto). Apetece dizer: antes pelo contrário. Eles, os jovens artistas deste Porto "off", até podem ter pensado nisso, mas a verdade é que nunca chegaram a pedir apoios financeiros. "Por opção, nunca quisemos concorrer a subsídios. Sempre tivemos um medo enorme de tornar isto numa estrutura", diz Eduardo Matos (e note-se que entre os fundadores do Olímpico até havia um economista, Rui Ribeiro). "A produção era por conta dos artistas que passavam por aqui."
(Noutro dia, noutro lugar, perguntámos aos rapazes do colectivo Senhorio, formado há três anos por estudantes de escultura da FBAUP, se alguma vez ponderaram pedir apoios: "Não somos fãs de formulários. Não queremos ter essa responsabilidade de prestar contas do trabalho." O bolso cheio ou a independência, portanto.)
Circuito fechado
O Olímpico não era uma protogaleria, era um sítio para estar. "Isto é um café, é um espaço de relacionamento humano. Ganha aos pontos às salas brancas das galerias. As pessoas vinham para estar quatro, cinco horas", diz Eduardo Matos. "Os próprios projectos apelavam a esse estar. Houve uma artista que fez uma sopa...", completa Manuel Santos Maia.
"Acaba por ser mais estimulante expor aqui por causa do "feedback" e das relações que se estabeleciam nos dias de inauguração", prossegue Eduardo Matos. "Nem nós somos curadores nem isto é um espaço comercial, por isso as relações com os outros estabeleciam-se a outro nível, mais directo e frontal."
André Sousa transformou o sótão de sua casa num "project room". É uma loucura, não admira que o tenha baptizado de Mad Woman in the Attic (inspirado no título de um quadro de Paula Rego). Desde Fevereiro de 2005, o seu sótão de seis metros por dois e tecto inclinado já acolheu 14 individuais ("intervenções" é capaz de ser mais preciso). Para visitá-lo é preciso telefonar ao André, marcar antecipadamente conforme as conveniências. "No dia da inauguração tem muita gente. Depois, se tiver cinco ou seis visitas já não é nada mau. Mas isso corresponde à escala do que acontece nas galerias: são os amigos que vão às inaugurações."
André diz que "o Mad Woman é sobre relações". (Noutro dia, noutro lugar, os rapazes do Senhorio confessam que isto é "uma desculpa para manter as amizades", para estarem juntos.)
Os artistas que passam pelo sótão de André Sousa são seus amigos, pessoas em quem "acredita". "Tenho vontade de convidar até artistas que não conheço pessoalmente, e mais velhos. Mas é difícil convencer um artista que não me conhece e que está habituado a outros pequenos luxos. E a minha geração é aquela que neste momento está disposta a aceitar estas condições."
Outro dos projectos de André Sousa é o PêSSEGOpráSEMANA, um prédio decadente na zona da Lapa portuense que partilha com Miguel Carneiro e Mafalda Santos, com uma programação regular de exposições micro-eventos - e cerveja no frigorífico. A casa é do avô de Miguel Carneiro, a renda é simbólica. Começou por ser o espaço onde tinham os ateliers, ainda nos tempos da faculdade, depois, progressivamente, a zona de exposições foi conquistando cada vez mais terreno. A última exposição, com desenhos de André Lemos, foi a primeira em cinco anos em que as obras estavam à venda.
A falta de oportunidades para mostrar trabalho nas galerias ou instituições esteve na origem destes espaços geridos pelos artistas.
Mas muitos desses artistas estão hoje representados em galerias - estão hoje, digamos, no mercado. Por que é que continuam a ter um pé (e a cabeça) nos espaços alternativos?
"Estamos em galerias mas muito conscientes da forma como estamos. Continuo a fazer o meu trabalho tal como o fazia antes", garante Carla Cruz, 30 anos, que depois da ZOiNA (desfeita em 2004) continua a manter os seus projectos feministas. "A maior parte de nós nunca faria uma obra por encomenda. Têm de levar o meu trabalho tal como ele é." Sem concessões, é o que ela está a dizer.
"O mercado existe, ninguém tem medo dele", diz Isabel Carvalho (mas que há processos esquizofrénicos há, "entre os que se tentam moldar, sem perdas, e os que deixaram de se interessar, mantendo um espírito muito crítico, anti-sistema"). Só que "o ritmo de uma galeria não se adapta às nossas exigências".
André Sousa faz as contas: "Uma galeria, quantas exposições é que te dá? Uma por ano?! Nem isso."
"O próprio espaço da galeria é muito limitado", diz Isabel Carvalho. "Uma performance frente à Câmara Municipal, o que é que isso interessa à minha galeria? As nossas necessidades ultrapassam aquilo que uma galeria permite."
Só no Porto?
São 11 da noite no último sábado de Julho e haverá coisas melhores para fazer do que isto: está uma trintena de pessoas a olhar para o alto, expectantes. Subitamente, um rapaz de boné emerge no quarto andar e improvisa um estendal de roupa na varanda com dois cabos de vassoura, fita adesiva e corda. Não é MacGyver de trazer por casa, é um artista. Chovem papelinhos com frases franco-atiradoras (quando não estafadas, género "Os Estados Unidos reconhecem apenas um argumento: a norma do lucro"), um dueto feminino lê o manifesto futurista de Almada Negreiros ("Livrem-se da choldra provinciana e da safardanagem intelectual!"), e alguém, que se calhar só podia ser de fora, diz: "Só no Porto..."
O coração do Porto num sábado à noite não tem muitos transeuntes, apenas uns pares perdidos a regressar de um qualquer restaurante, e o que está a acontecer - e alguns não-acontecimentos - em meia-dúzia de varandas não parece despertar curiosidade suficiente para os fazer deter.
O circuito "off" tem ido para a rua, tem-se instalado em sítios que não lembrariam a ninguém (como o Centro Comercial da Cedofeita, um daqueles "shoppings" em declínio com rendas ao desbarato e lojas fechadas, onde Isabel Ribeiro e Carla Filipe alugaram uma lojinha hexagonal que serve de "project room"), mas o seu público é sempre o mesmo: os próprios produtores. A par disso, constata Pedro Nora, "este conjunto de pessoas é muito auto-referencial, olha-se muito para dentro".
É uma pergunta pouco simpática, mas é preciso fazê-la: o circuito "off" é um circuito fechado? "Às vezes trabalhamos muito para nós próprios", admite Carla Cruz. "Há um lado canibal: vejo o trabalho de alguém e vou reagir a ele, e por aí fora..."
"Ser "indie" tem a ver com um dado momento num percurso", diz Paulo Mendes, 41 anos, com a veterania de quem tem experiência no assunto (ele faz parte da geração de artistas dos anos 90, a primeira a apostar na autoprodução: "Aquilo que é a nossa geração foi feita por nós").
Alguns colectivos e espaços volatilizaram-se ("Não são espaços para durar e não devem durar", diz Isabel Carvalho. "São como castelos de areia. Têm a ver com um momento"), os seus membros divergiram, seguiram caminhos separados, emigraram, casaram, tiveram filhos, "whatever". "Se uma pessoa está fora, é como uma banda: não existe produção colectiva", isto ainda é Isabel Carvalho a falar. "Neste momento, já estão mais preocupados com o seu percurso individual", sugere Paulo Mendes.
Mas há sinais de que o Porto não é o que era quando eles começaram. "Neste momento, quem quiser fazer uma exposição faz", diz Carla Cruz. "Uma coisa que noto é que os finalistas de Belas-Artes fazem muito mais intervenções em espaços públicos, na rua, fora da faculdade."
O mercado abriu-se à chamada criação artística emergente, recentemente surgiram mesmo galerias "especializadas" em jovens artistas, como a Plumba, a Reflexus ou a MCO. "As galerias são hoje espaços mais abrangentes, vão desde trabalhos mais arriscados ao coleccionador de serigrafias", sintetiza Luís Eustáquio. "E há mais mobilidade dentro do circuito artístico: o mesmo artista expõe numa garagem e em Serralves."
Isto só podia ter acontecido no Porto?
"Nós sabemos que não é aqui que as coisas estão a acontecer, que o centro não é aqui", diz Isabel Carvalho. "Muitos de nós estudámos lá fora e pontualmente vamos lá fora. Mas voltamos sempre. A ideia é resistir, é construir alguma coisa aqui. Se estivesse num sítio fervilhante provavelmente ia ser pouco activa na produção de qualquer coisa. Sim, há um lado de resistência. E de alguma esperança ao mesmo tempo."
O gigante Serralves na cidade Lilliput
K.G.
A polémica estalou em finais de Abril e, à primeira vista, até pode parecer estranho o "timing", a ocasião: logo ali, no lançamento de um livro da Colecção de Arte Contemporânea Público Serralves, "Propostas da Arte Portuguesa. Posição: 2007", dedicado à recém-chegada criação artística portuguesa, que inclui vários artistas da cena independente portuense. Isabel Carvalho foi convidada a falar (havia um debate, sobre "o que significa ser artista hoje em Portugal") e, apesar de estar em Serralves, não poupou críticas ao anfitrião.
Segundo João Fernandes, director daquele museu, Isabel Carvalho proclamou que "Serralves é uma instituição que ignora deliberadamente os artistas locais". "Eu reagi assumindo o facto de na verdade não me interessar um artista pelo facto de ser local", diz o director, "de esse não ser um critério de selecção ou confronto ou avaliação de uma obra. O que não significa que não tenha curiosidade, não tenha obrigação de conhecer, etc. Mas não me sinto obrigado a apresentar um artista só pelo facto de ele viver ou trabalhar na cidade onde eu trabalho e vivo. Coisa com que a Isabel Carvalho está de acordo, seguramente."
A controvérsia não ficou por aí, estendeu-se à blogosfera (www.whiteponycab.blogspot.com, blogue de Isabel Carvalho), onde se encarniçou e ganhou contornos que nenhum dos intervenientes originais poderia antecipar. João Fernandes surpreendeu tudo e todos quando, a certa altura, se juntou à discussão, deixando dois comentários contundentes, críticos, em relação à nova geração de artistas do Porto (acusando-os de ressentimento, autocomplacência, de vazio estético e conceptual).
"Houve quem pusesse em questão o facto de o director de um museu participar num blogue. Mas, parafraseando uma velha frase, acho que nada do que acontece num contexto artístico me deve ser estranho", justifica, hoje, João Fernandes.
E viveram infelizes para sempre?
A refrega, se assim se pode chamar, amansou com um piquenique entre polemistas, mas hoje Isabel Carvalho ainda fala de Serralves como de uma fortaleza, com "muralhas à sua volta", e João Fernandes insiste em apontar "uma grande falta de sentido crítico no trabalho que se faz nestes contextos "off"".
Serralves é o gigante que ameaça encobrir tudo o resto, um peso demasiado pesado para os artistas da cidade?
O problema é não existirem "estruturas intermédias", espaços "sem o peso da máquina de um museu mas com um orçamento razoável, que proporcionassem condições de trabalho aos artistas", diz Paulo Mendes, que já trabalhou em grande (comissariou exposições colectivas em hangares) mas habitualmente faz produção lo-tech ( W.C Container e In.Transit, respectivamente uma casa-de-banho e uma sala no edifício Artes em Partes, na Rua Miguel Bombarda).
João Fernandes concorda. Isabel Carvalho também.
Em Portugal, refere o director de Serralves, as instituições são "meia-dúzia" e "são espaços de legitimação ou de consagração de trabalho feito, e não espaços de emergência". Falta uma rede de centros de arte que a regionalização noutros países europeus, nomeadamente Alemanha e Espanha, estimulou. Serralves é muito mas não pode ser tudo - "um projecto como o Museu de Serralves afirma-se pela sua selectividade e essa selectividade é muitas vezes incompatível com um espaço de experimentação para um artista que está a começar". Nem pode resolver a falta de uma estratégia cultural para a cidade, de iniciativa nacional ou municipal.
Não, o Porto não tem meio-termo, o Porto é de extremos: tem invejáveis projectos de afirmação internacional, como Serralves (ou a Casa da Música), e tem uma cena "underground".
E como são as relações entre eles? "Existe uma admiração mútua, mas no final do dia cada um vai para seu lado, são realidades separadas", responde Isabel Carvalho.
A entrevista com João Fernandes pode ser lida, na íntegra, em http://www.publico.pt/docs/cultura/entrevistajf.pdf
Eles estão aqui
A Sala
Espaço de apresentação de performances
Rua do Bonjardim, 235, 2º
PêSSEGOpráSEMANA
Programação regular de exposições
Rua Antero de Quental, 133
http://pessegoprasemana.blogspot.com
Mad Woman in the Attic
Project room no sótão do artista André Sousa
Rua Alves Redol, 407, 5ºD
http://madwomaninthe.blogspot.com
A Mula
Feira/ colectivo de fanzines de Miguel Carneiro e Marco Mendes
http://osgajosdamula.blogspot.com
Senhorio
Colectivo com actividades pontuais: produção de fanzines, ciclos de cinema pirata, exposições e concertos
R. Duque de Loulé, 239, 2º
In.Transit
Project room de Paulo Mendes
Edifício Artes em Partes, Rua Miguel Bombarda, 457
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