Sunday, March 22, 2009
DOMINGO
Electricidade
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Um micro apagão aconteceu ali mesmo quando me deitei num banco do jardim com uma profunda satisfação em dormir ao relento e atirei uma pedra ao lampião com o objectivo de o partir. Este acontecimento, de abrir um buraco escuro numa cidade violentamente iluminada agrada-me e confesso que não foi o primeiro, muito menos será o último apagão vindo de alguém com sono e com o sentido prático de dormir em qualquer lado. Preparado para dormir, aconchegado com os alguns pensamentos a rondar decido por um menos intenso, talvez o resultado do dia, ou os planos do dia seguinte ou o passado recente ou qualquer coisa mais simples. Imagino como sou visto: um jovem a dormir num banco de jardim com bom aspecto. Quantas pessoas dormem nos bancos e nas praças com bom aspecto? Poucas, realmente. Tenho umas sapatilhas brancas pouco usadas, umas meias de tenistas com duas riscas verdes, umas calças de fazenda vincadas de cor beije, finas e de malha larga que deixam passar o frio, um cinto castanho, um pólo braço e uma camisola de malha com gola em “V” também verde. Estou confortável e só tenho frio nas pernas. Os pés estão bastante quentes. Tiro as sapatilhas e descalços as meias suadas. Coloco-as ao meu lado no relvado. Sei que com os pés quentes não consigo dormir. Meto as mãos para dentro das mangas e abraço-me para voltar ao sono. Estou preparado para dormir. Passa alguém que me vê. Tento ouvir os comentários. Demasiado longe, não pude reter uma palavra. As vozes anularam-se com os motores dos carros. Passam carros todo o dia e à noite há muita actividade nesta zona. Insisto em esquecer o som dos motores para ter condições para dormir. Entretanto escuto um caracol que se arrasta pelas folhas que estão no chão. Tenho a certeza que é um caracol porque gosto especialmente deste animal. Faz o seu percurso passando transversalmente pelo meu banco. Demora. Escuto a lava que adere às coisas e que o faz mover. É curioso pensar que os caracóis têm filhos por um orifício na cabeça – como os escritores e os artistas, tudo lhes sai pela cabeça. Enfim, volto-me com a barriga para cima e as mãos cruzadas no peito e concentro-me na respiração, abro a caixa torácica e fecho-a outra vez. Aos poucos vou abrandando o ritmo da respiração, tento levar o corpo a mexer-se o menos possível. Quase que adormeci embalado pela folhagem miúda que se agita cá em baixo e pela copas pesadas das árvores. Passa novamente alguém, um casal, falam alto, parecem bêbados. Devem ter saído de algum espectáculo. Os passos da mulher abrandam perto do banco, escuto-a a dizer: “Acho que devíamos chamar a policia, o que faz um tipo com bom aspecto aqui deitado, no meio desta escuridão?”. Levanto-me subitamente, com os olhos a sair das orbitas e os braços estendidos e prego-lhes um susto.
Onde eu estava mesmo, era deitada no quintal dos meus pais, ao meio dia, com um casaco grosso de carapuço vestido, mesmo fazendo muito calor, a ouvir sons: da água dos canos que passam por baixo do terreno, das televisões ligadas que vinham do interior das outras casas, dos pássaros a apanhar as migalhas que a minha mãe deita no chão, dos aviões a meio da rota, o som das cozinhas, as vozes dos adultos e os berros das crianças. Estava com os olhos fechados e as mãos por cima da caixa torácica. Os meus pais aproximaram-se e perguntaram-me porque estava ali há tanto tempo – “O que fazes?”.
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