Estava há mais de um mês à procura de um caracol. Anunciara publicamente ao meu círculo de conhecidos, que oferecia dinheiro como recompensa. Duas miúdas, que precisavam dele para comprar cerveja e blusas, estavam motivadas. Subitamente começou a chover, depois de dias em que a média de temperatura atingia os 35 graus, e fui eu mesma por esses pequenos canteiros à procura de encontrar um pequeno exemplar no meio da humidade. Trouxeram-me por fim um caracol vivo durante a noite, muito pequeno e feio. Com o caracol guardado num prato fundo, estava determinada a cumprir os meus objectivos - queria observá-lo. Nos últimos meses andava obcecada em entender o seu movimento e a sua original reprodução. Tinha acabado de o receber, e nem uma folha lhe tinha dado, quando me dei conta que não queria passar tempo nenhum com um caracol, nem desenvolver qualquer tipo de sentimento para com ele. Assim poderia impedir-me, desde logo, de o esmagar por negligência. Como se tratava de um animal e não partilhávamos a mesma linguagem, era fácil mudar de objectivos sem que ele se incomodasse. Assim foi despejado na rua sem lhe ser dada qualquer justificação.
Mas afinal porque me interessou encontrar caracóis? Para observar o seu movimento e entender a sua reprodução. Os observadores de caracóis são excelentes exemplos de duas importantes actividades: a contemplação e a introspecção. O exercício de ambas é, na opinião dos seus praticantes, muito gratificante, e traz bons frutos a quem a elas se predispõe. Entender a sua reprodução serviria para um outro fim. É sabido que o caracol é um hermafrodita, no qual os dois órgãos sexuais coexistem, e é por isso capaz de se reproduzir sozinho, o que evidencia a sua autonomia pessoal. É ainda curioso notar que põe o ovos por um orifício na cabeça, perto dos ouvidos.
Do caracol ficaram somente os rastos de baba em cima do prato e eram estes que agora me interessavam mais. Ao vê-los, entendi que a aprendizagem podia chegar através deste resquício e na ausência do seu protagonista. As linhas, mais grossas que as de um lápis, mas mais finas que um pastel, formavam um desenho extremamente delicado, que separava grandes formas brancas. Revelou-se então a razão do meu desejo de querer ser todas as coisas que não sou e principalmente as que desconheço. As linhas apontavam para isso e eu entendi que também seguia entre grandes formas brancas, querendo ser tudo na minha passagem. O que se verifica positivamente um em mil casos semelhantes, pois normalmente quando não se é uma forma branca é-se outra forma qualquer, mas, ainda assim, branca. No meu caso, eu prescindi de ser forma branca, para ser linha, como a pasta que cobre as fendas nas paredes, como a lama e as ervas que entopem os caminhos num campo bravio e como pontes entre as montanhas.. Antes nunca valorizara a possibilidade de estar-entre como potencial de possibilidades, e só apenas às custas do caracol me dei conta desse privilégio. E isto significa estar à margem a toda a força? Certamente.
Monday, June 22, 2009
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