BITING THE HAND THAT FEEDS YOU
ISABEL CARVALHO, 2008
Nota introdutória: o colégio e o castelo são edifícios distintos; o visitante e o professor são a mesma personagem e quem os representa é o mesmo actor.
Um castelo
Foi construído um castelo em forma de ananás, verde e com formas orgânicas, por um arquitecto gigante com horror a linhas rectas. O edifício tinha um aspecto vivo. Estava, aparentemente, sempre apinhado de alegres visitantes encantados com o brilho do interior do castelo e animados com as festas que ali eram organizadas.
Um colégio
O mesmo arquitecto do ananás, concebeu um colégio onde se ensina a desenhar. Tudo o que se pudesse desejar e imaginar era possível de existir, tal era possível porque tudo, sem limites, se podia desenhar num infinito maço de folhas de papel.
Visitante do castelo
Um dia, um visitante deixou cair uma peça de vidro que fez imenso barulho. Veio um guarda que lhe disse que tinha que manter uma certa distância relativamente às peças. Levou-o ao escritório para o repreender e mostrar-lhe qual era a distância aconselhada. Assim se impunham as regras. De mãos atrás das costas e com autoridade convenceu-o que a obediência era bonita e o visitante acabou por entender que a resignação era feia.
Quando decidiu regressar outra vez ao castelo, pelo caminho, sentiu um forte puxão para trás. Enquanto as pernas avançavam para a frente, o resto queria ficar no mesmo sítio. À hora certa, as pesadas portas abriram-se com muito custo. Chegado à entrada, sentiu um arrepio e voltou para trás. Ele próprio não compreendia o que se passava e ficou apreensivo.
Professor do colégio
O aborrecimento causado por aquilo que ensinava, a repetição e a rotina, levou-o a descuidar-se dos seus serviços e a ir para a praia. “Hoje não me apetece fazer nada”, e como manteve esta atitude foi dispensado passados alguns anos por não comparecer ao serviço – já perto do final, quando aparecia importunava os alunos com perguntas descaradas sobre os seus sentimentos.
No colégio
Para que não surgissem mais problemas, o colégio decidiu que só se podiam desenhar formas simples e nenhuma aproximação ao real seria permitida. Deste modo o desenho não entraria em competição com a realidade.
Chegada a Primavera, os alunos fugiram todos das aulas provando que o aborrecimento aparece em qualquer altura e sem aviso prévio – os alunos não gostam das aulas no geral, embora até gostem de desenhar. A força das lições do professor demitido e o seu efeito, revelou-se quando todos os alunos se agruparam em construções geométricas a apanhar sol, a mergulhar, a fazer surf, etc. Organizavam-se em linha, em círculos, quadrados e triângulos.
Visitante do castelo
Um dia, sozinho, passou em frente ao castelo e atirou umas pedras para partir os gessos todos, os cristais e as porcelanas, incendiar os cortinados e as passadeiras. Reparou que o ananás abanou, mas que não se partiu nada. No dia seguinte pintou nas paredes – “já não estou aqui!”
Como não fizeram caso, continuaram com as festas, as luzes, os brilhos e a multidão. E ele, como não foi caso, foi-se embora dizendo – “não contem comigo”.
Professor do colégio
Na praia fez uns desenhos na areia com um pauzinho. Esteve também a espiar a vida dos outros com os pés espetados na areia e barriga colada à toalha. Encorajou-se a observar sem agir, o que lhe pareceu muito mais difícil de fazer que antes. Entreteve-se durante muito tempo e só saiu no final, quando foi o último a desistir do sol, para não perder nada do que pudesse acontecer. O não agir era um assunto muito sério.
Anos mais tarde
Visitante do castelo
Voltou ao castelo para se empregar no bengaleiro. A rapinice era descarada e inicialmente pequena – o dinheiro era o principal. Esperava denúncias que lhe causariam, por certo, castigos. Motivado pelo sucesso dos seus actos desenvolveu um plano que consistia em meter peças valiosas nos bolsos dos visitantes e esperar que estas fossem devolvidas. Nunca ninguém as devolveu - nunca a proximidade foi tão grande. Um êxito. Entretanto, os seus planos cresceram e envolveu mais uns quantos colegas. A dada altura, estes, descrentes relativamente ao seu plano, acabaram por o denunciar.
Professor do colégio
O professor foi encontrado a desenhar secretamente o real em papelinhos encontrados ao calhas com excessiva fidelidade. A força do hábito. Tentou-se explicar e disse: “Assim penso menos”.
Saturday, February 02, 2008
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