Sunday, January 20, 2008

FOLHA DE SALA


I.
Recentemente, vi de uma assentada os filmes "Stranger than paradise" (Jarmusch/1984), "Bande à part" (Godard/1964), "Permanent vacation" (Jarmusch/1980) e "Pickpocket" (Bresson/1959). Sendo filmes claramente distintos formal e esteticamente, afastados no tempo em cerca de 25 anos, há um aparente fio condutor que une os personagens e que define as diferentes narrativas: a oposição entre uma aceitável e previsível conduta social e um desejo visceral em deliberadamente ignorar e mesmo contrariar (por vezes de um modo violento, por vezes através da apatia) a expectativa que a sociedade deposita no indivíduo.

Os personagens dos vários filmes, impelidos internamente por uma forte paixão, (uma paixão pelo perigo, que por vezes se confunde com um desejo sexual) aceitam para si as consequências que advêm dos seus actos de rebeldia. Aceitam naturalmente o seu posicionamento social, pelo facto de a sua conduta não poder ser outra. A norma, a produtividade, a previsibilidade, a ordem, a educação aborrecem-nos.

II.
Em conversa com um amigo, este dizia-me que estava farto de manifestações panfletárias e ilustrativas no mundo da "arte política". Perguntava-se qual a real consequência desses actos a nível político - não se trataria afinal de mais uma forma oca, desprovida de paixão, em tudo semelhante, por exemplo, ao marketing de marcas de jeans? Por outro lado, admirava cada vez mais aqueles que por opção, decidiam desaparecer, apagar-se por entre actos aparentemente inócuos, dando origem a uma real acção política - a da não aceitação das regras do jogo social.

III.
Em "Biting the hand that feeds you" o questionamento da Disciplina e da Educação - duas manifestações de domesticação da paixão – permitem a Isabel Carvalho reflectir sobre o posicionamento do indivíduo em sociedade. Sem Disciplina, sem Educação, a vivência entre indivíduos seria necessariamente impossível, ou no mínimo caótica, acreditarão alguns. Recusar essa "dádiva" do colectivo, demonstra ingratidão, como quem morde a mão de quem lhe dá de comer.

Essa mordedura é apresentada pela via de estranhos exemplos como o de um visitante de um castelo que se torna num bandido, ou o de um professor de um colégio precocemente aposentado. Tal como os personagens dos filmes anteriormente citados, os "duplos" da artista propõe a sua fuga para um outro lugar, distante da previsibilidade, criando assim um espaço próprio de alternativa, aceitando as consequências dos seus actos.

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