Para o JMP,
Com o desenho passei por uma fase em que andava contrariada, logo depois de ter contrariado toda a gente. Agora estou virada do avesso.
Tudo começou ao ver um grupo de turistas americanos e canadianos na parte velha da cidade. Uns com um caderno numa mão e um leque de canetas-pincel na outra, outros com máquinas fotográficas, outros boquiabertos a olhar para um letreiro de chapa ainda pintado à mão e os restantes a partilhar ideias com o jovem guia. Estes foram os primeiros profissionais criativos que eu vi. A profissão deles era desenhar e eram, aparentemente, felizes por isso. Evidentemente que foi isto o que eu passei a querer ser através do fazer, por as mais diversas razões: pelos desenhos em si, pelo público, pelas exposições e pelos festivais e principalmente pela forma de estar – acordar e desenhar, adormecer a desenhar.
Não foi difícil adaptar-me ao que imaginara, uma vez que eu já tinha todos os materiais dentro de mim: era adolescente tardia, vinte e alguns anos, vivia com os meus pais e não se passava nada de realmente interessante nem comigo, nem com os meus amigos, muitas vezes não saia de casa e ainda por cima desconfiava que talvez estivesse a enamorar-me por alguém que, por aborrecimento (não há outra explicação), vivia uma vida ainda mais pálida que a minha. Devo ter passado assim um Verão e um Inverno.
Poderia justificar de muitas maneiras porque comecei a desenhar, mas se calhar a mais óbvia, e antes mesmo de passar pelo estilo de vida (aquele sucesso era de facto apelativo), é porque tinha coisas para dizer. E a forma de dizer que eu escolhi implicava que eu fosse directa, literal, concreta, pouco equívoca, honesta e absurdamente fiel aos meus devaneios. E assim aconteceu até ter voltado à escola.
A minha convicção de que estava no caminho certo tornava-se mais forte à medida que produzia (ainda que muito pouco) e que respondia às solicitações. Daí os risinhos sempre que ouvia “...a força da mancha, da linha, da cor...”. A minha timidez dava-me para isto, para ridicularizar, entalada entra cacifos, quem não era como eu ou como os outros com quem eu me identificava - o meu contrariar não era totalmente deselegante, vá lá, se fosse, teria agora mesmo muita vergonha.
Fora da escola, quando esta tinha terminado, passei a ser um género de “gruppie” relaxada do meio. Tinha tempo e produzia ainda menos. Surgiram as dúvidas, que recaiam sobre a capinha preta dos desenhos, e deparei-me com algumas contrariedades inesperadas – “nós gostaríamos de publicar se tivesses um estilo mais tipicamente português”; “muito feminino, estamos cansados de vaginas e amores”; “se fizesse mais sentido...”. Por estes dias intrometi-me numa conversa aberta ao público com o Charles Burns (ora, nem mais, rica surpresa) e ele deve (!) ter dito isto: “a adolescência é um paraíso perdido ao qual tentamos voltar e a isto se resume o meu trabalho”.
A bola de neve (pouco branca, como a neve costuma ser) em que me meti, levou-me a entrar e a sair do que imaginei que podia ser um modo de vida (e uma profissão) uma série de vezes, mas vendo do exterior, continua a parecer-me brilhante.
E o que tem de brilhante para mim é que alguns ainda são capazes de voltar à adolescência e torná-la comunicável.
Sunday, April 20, 2008
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3 comments:
http://www.orbitgalleryspace.com/events/neopulp2.php
já tinha passado aqui neste sítio...acho! not sure!
obrigada querido anónimo...
Isabel
gostei sinceramente do texto.
bjs
antónio gonçalves
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